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Características físico-químicas do leite bovino, após o tratamento da mastite subclínica causada por Staphylococcus aureus durante a lactação

Publicado: 28 de outubro de 2011
Por: Luiz Francisco Zafalon; Antônio Nader Filho
Resumo
Estudou-se a influência do tratamento da mastite subclínica bovina causada por Staphylococcus aureus sobre as características físico-químicas do leite de quartos mamários em duas fases distintas do período de lactação. As amostras de leite foram submetidas a análises bacteriológicas e físicoquímicas e 67 quartos mamários foram tratados, enquanto outros 68 quartos não foram submetidos ao tratamento. Os casos de mastite subclínica foram tratados uma vez ao dia após a ordenha, com infusão intramamária de gentamicina na dose de 150 mg durante três dias consecutivos. As análises das características físico-químicas do leite envolveram determinações de densidade, de acidez titulável, de extrato seco total, de extrato seco desengordurado, de ponto crioscópico, de gordura e de teor de cloretos. Após o tratamento, houve redução na variação dos valores médios da densidade, do extrato seco total e do teor de cloretos encontrados em amostras de leite dos quartos mamários tratados e dos quartos que serviram de controle em animais entre 10 e 60 dias em lactação. O tratamento contra a mastite subclínica causada por S. aureus melhorou estes aspectos ligados ao leite na fase inicial de lactação, bem como a acidez titulável e o ESD após 60 dias em lactação e a densidade em ambas as fases estudadas.
Abstract
Influences of antibiotic treatment of bovine subclinical mastitis caused by Staphylococcus aureus upon physicochemical characteristics of milk from mammary quarters were studied in two groups distributed according to lactational stage. Milk samples were submitted to bacteriological and physicochemical analysis. Sixty seven mammary quarters were treated and 68 quarters were not. Intramammary administration of gentamicin (150 mg) was applied after milking, once a day, during three successive days. Physicochemical analysis included density, titratable acidity, total solids, nonfatty solids, cryoscopy, fat, and chloride levels. After treatment, levels of density, total solids and chloride from milk of treated mammary quarters declined, as compared with those of healthy quarters, on animals between days 10 and 60 of lactation. Treatment during lactation of subclinical mastitis caused by S. aureus improved aspects related to milk composition in the initial stage of lactation, such as titratable acidity and nonfatty solids after 60 days in milking and density in both stages.
Introdução
A mastite bovina causada por Staphylococcus aureus pode ser considerada a enfermidade mais importante do gado leiteiro, tanto em termos econômicos como em aspectos relacionados à saúde pública. A infecção estafilocócica causa prejuízos aos produtores e à indústria em conseqüência da redução na produção de leite e das alterações na composição físico-química do produto (Karahan & Çetinkaya, 2007).
S.aureus pode causar infecções subclínicas de longa duração, com baixa taxa de cura e elevada perda na produção de leite, devido à alta prevalência da doença (Sabour et al., 2004). O isolamento do microrganismo, associado com a elevada contagem de células somáticas, demonstra a participação do patógeno na etiologia infecciosa da doença (Kivaria et al., 2007).
Em vacas com mastite, as alterações mais pronunciadas nas características físico-químicas do leite ocorrem no pH e na condutividade elétrica. Em menor escala, o ponto de congelamento ou ponto crioscópico e a densidade podem sofrer alterações causadas pela diminuição dos sólidos totais. Enquanto o ponto de congelamento do leite mastítico tende a se aproximar do ponto de congelamento da água, a densidade pode apresentar redução apenas sutil do seu valor (Fonseca & Santos, 2000).
O pagamento diferenciado do leite, fundamentado em critérios de qualidade da matéria-prima, é uma evolução do sistema de comercialização do produto e um aprimoramento das relações entre a indústria e os produtores. Dentre os critérios utilizados para a bonificação diferenciada podem ser destacados os parâmetros físico-químicos, a composição do produto e a qualidade higiênica (Fonseca, 2007).
Com base no exposto, o objetivo deste trabalho foi verificar a influência do tratamento da mastite subclínica bovina causada por S. aureus sobre as características físicoquímicas do leite em duas fases distintas da lactação.
Material e Métodos
O estudo foi realizado em animais com média de produção de leite de 8 kg por ordenha, em uma fazenda experimental localizada em Colina, SP. A população bovina era constituída por vacas 7/8 holandês, todas submetidas à ordenha mecânica uma vez ao dia.
Os animais selecionados foram distribuídos em dois grupos, de acordo com as fases de lactação no início da avaliação: a fase 1 (estágio inicial, de dez dias até dois meses após o parto) e a fase 2 (do terceiro até o nono mês de lactação), conforme preconizado por Cullen (1968) e Van Horn & Wilcox (1992).
As análises das características físico-químicas foram realizadas em fêmeas que apresentavam pares de quartos mamários cujo leite mostrava-se reagente ao California mastitis test em um desses quartos mas não reagente no quarto oposto correspondente. Dentre 135 pares de quartos selecionados, em 67 pares houve o tratamento de um dos quartos (fase 1=19; fase 2=48), enquanto em 68 pares de quartos não foi realizado o tratamento (fase 1=14; fase 2=54). Tanto no grupo tratado quanto naquele não tratado, os quartos contralaterais classificados como sadios assim se mantiveram durante o período avaliado.
Os casos de mastite subclínica foram tratados, após a ordenha, com a infusão intramamária de gentamicina na dose de 150 mg, durante três dias consecutivos, uma vez ao dia. A escolha do princípio ativo fundamentou-se em testes in vitro de sensibilidade do microrganismo. Os quartos foram tratados apenas quando se isolaram culturas puras de S. aureus. Consideraram-se curados os quartos mamários cujas amostras de leite mostraram-se negativas ao isolamento de S. aureus, 30 dias após o término do tratamento. Os quartos mamários sem tratamento foram considerados recuperados espontaneamente quando, no intervalo de 30 dias entre as colheitas das amostras de leite, deixaram de apresentar o isolamento de S. aureus. A interpretação dos resultados bacteriológicos seguiu o preconizado por Harmon et al. (1990), ou seja, considerou-se no acompanhamento dos quartos mamários apenas aqueles cujas amostras de leite apresentaram crescimento do mesmo tipo de colônia em duas amostras colhidas (5 a 10 mL).
As amostras de leite foram obtidas no início da ordenha e do mesmo quarto mamário. Elas foram semeadas sobre a superfície de ágar-sangue de ovinos, contido em placas de Petri. A identificação baseou-se nas características de crescimento, na realização de esfregaços corados pelo método de Gram e em provas da catalase e da coagulase lenta com plasma de coelho (Holmberg, 1973), além de verificação da produção de acetoína e de utilização ou não da maltose e da trealose (Holt et al., 1994). Os quartos mamários não reagentes ao California mastitis test foram confirmados como sadios após a ausência de crescimento de microrganismos nas amostras de leite. Também se considerou como método classificatório de quartos mamários com mastite subclínica a contagem de células somáticas igual ou superior a 200.000 células por mililitro de leite (Santos, 2006).
As análises das características físico-químicas foram efetuadas por meio de métodos oficiais preconizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Brasil, 1981). Assim, realizaram-se determinações de densidade relativa do leite a 15oC; de acidez titulável, expressa em graus Dornic (oD); de extrato seco total (EST); de extrato seco desengordurado (ESD); e de ponto crioscópico do leite, medido com lactocrioscópio eletrônico, modelo 312.L - Laktron, Londrina, PR.
Além das determinações mencionadas, realizou-se a análise de gordura do leite, utilizando-se o aparelho eletrônico Milko-Tester®, modelo mk 3.2 (ITR), calibrado pelo método convencional de Gerber (Zafalon, 2003), e a pesquisa do teor de cloretos, com titulação por solução de nitrato de prata a 0,1 N (Morita & Assumpção, 1972; Amaral et al., 1988).
Os dados obtidos foram submetidos ao teste T para amostras pareadas, para comparação entre quartos doentes e quartos sadios do mesmo animal (Sampaio, 1998).
Resultados e Discussão
Na Tabela 1 estão apresentados os valores médios referentes às características do leite, estudadas antes e após o tratamento da mastite subclínica causada por S. aureus, em animais que se encontravam entre 10 e 60 dias em lactação.
Antes do tratamento, o leite dos quartos mamários com mastite subclínica apresentou valores inferiores em acidez titulável, densidade, extrato seco total e extrato seco desengordurado, quando comparado com os valores médios do leite dos quartos sadios. Já o valor médio do teor de cloretos foi superior nos quartos com mastite subclínica. Quando comparadas as variações entre quartos mamários tratados e sadios homólogos, antes e após o tratamento, verificou-se que houve diminuição na variação entre os quartos mamários tratados e os quartos sadios homólogos de todas as características estudadas, exceto do teor de gordura do leite, embora na acidez titulável e no ESD as variações tenham permanecido significativas após o tratamento.
Existem relatos contraditórios acerca do conteúdo de gordura no leite de vacas com mastite. Enquanto a redução da gordura no leite sugere diminuição de sua síntese como resultado dos danos no epitélio glandular e/ou diminuição da ação lipolítica de enzimas leucocitárias, a elevação do conteúdo de gordura pode ser explicada por forte redução da produção de leite, sem a mesma aparente redução da síntese de gordura (Bansal et al., 2005).
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O ponto crioscópico e a densidade sofrem influência da diminuição de sólidos totais do leite de quartos com mastite. Desta maneira, o ponto de congelamento do leite de vacas doentes tende a aumentar, aproximando-se do ponto de congelamento da água, enquanto a densidade apresenta diminuição do seu valor (Fonseca & Santos, 2000). Apesar disso, maiores variações no ponto de congelamento do leite aparecem quando a mastite se apresenta sob a forma clínica, diferentemente dos casos subclínicos da doença aqui estudados.
Estabeleceu-se que o limite entre leite com teor de cloretos anormal e aquele com teor dentro da normalidade seria de 0,16% à prova laboratorial, segundo Amaral et al. (1988). Dessa maneira, após o tratamento verificou-se que a média do teor de cloretos do leite dos quartos tratados se encontrava dentro dos limites considerados normais. O teor mais alto de cloretos nos quartos com mastite subclínica pode ser explicado pela alteração da concentração iônica do leite, causada pelo aumento da permeabilidade capilar na glândula mamária. O sódio e o cloro, presentes em altas concentrações no fluido extracelular, passam para o lúmen do alvéolo, aumentando sua concentração no leite (Nielen et al., 1992).
As alterações na composição e nas características físicoquímicas do leite produzido por uma glândula mamária infectada são atribuídas a três fatores principais: às alterações na permeabilidade vascular devidas ao processo inflamatório, à lesão do epitélio secretor responsável pela síntese de alguns componentes do leite e à ação de enzimas originadas das células somáticas e de microrganismos presentes no leite (Fonseca & Santos, 2000).
A glândula com processo inflamatório apresenta alterações na composição do leite, que se torna semelhante à composição do sangue. O leite de vacas com mastite possui maior teor de sódio, menor concentração de potássio, de cálcio e de fósforo, pH superior e também menor acidez titulável do que o leite de vacas sadias. Somente em poucos casos a infecção na glândula mamária pode provocar o aparecimento de leite com maior acidez titulável, quando os microrganismos envolvidos são produtores de ácidos (Rodrigues et al., 1995).
Os resultados referentes à acidez titulável, à densidade, ao ponto crioscópico, ao EST, ao ESD, ao teor de cloretos e de gordura do leite de quartos mamários doentes e de quartos sadios, antes e após o tratamento de animais que se encontravam com mais de dois meses em lactação, encontram-se na Tabela 2. Após o tratamento, houve diminuição na variação entre os quartos mamários doentes tratados e os quartos sadios, em todas as características estudadas, exceto no teor de cloretos. Porém, apesar de a diferença entre os quartos doentes e os sadios permanecer significativa, o teor de cloretos do leite dos quartos doentes está dentro dos limites considerados normais.
Os resultados de acidez titulável, de densidade, de ponto crioscópico, de EST, de ESD, de teor de cloretos e de teor de gordura de quartos mamários doentes e de quartos sadios, em vacas na fase 1 do período de lactação, durante o acompanhamento da evolução destas características em animais não submetidos ao tratamento, encontram-se na Tabela 3. Os resultados apresentados nessa tabela revelam valores de acidez titulável inferiores no leite dos quartos com mastite subclínica, quando comparados com aqueles dos quartos sadios.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Já o teor de cloretos foi superior nos quartos com mastite subclínica, quando comparado com os quartos sadios. Após 30 dias, as variações entre quartos mamários doentes e quartos sadios permaneceram próximas às verificadas anteriormente na densidade, no EST, no ESD e no ponto crioscópico. A variação da acidez titulável e do teor de cloretos diminuiu. Os pares de quartos mamários referentes ao acompanhamento da evolução das características físico-químicas do leite de animais não submetidos ao tratamento contra mastite subclínica durante a lactação pertenciam a vacas que em nenhum momento foram tratadas contra a doença. Como os animais não submetidos ao tratamento foram diferentes dos animais tratados, justifica-se o fato de eles terem apresentado diferentes percentuais de variação entre quartos doentes e quartos sadios. Justamente por este motivo é que o teste estatístico descrito foi escolhido, já que as comparações ocorreriam entre os quartos mamários do mesmo animal, para evitar possíveis variações individuais.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os valores de acidez, de densidade, de EST, de ESD, de ponto crioscópico, de teor de cloretos e de teor de gordura de quartos mamários doentes e de quartos sadios, em animais na fase 2 de lactação, durante o acompanhamento da evolução destas características sem o tratamento, encontram-se na Tabela 4.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
No dia zero, o leite dos quartos mamários com mastite subclínica apresentou valores médios inferiores, quando comparado ao leite de quartos sadios, na acidez titulável, na densidade, no EST e no ESD. Os valores médios do ponto crioscópico e do teor de cloretos foram superiores no leite dos quartos com mastite subclínica, quando comparados com aqueles do leite dos quartos sadios. Decorridos 30 dias, as variações entre quartos mamários doentes e os quartos sadios permaneceram próximas àquelas verificadas nos 30 dias anteriores.
Após 30 dias, ainda havia diferenças estatísticas entre animais doentes e animais sadios, tanto após o tratamento da mastite durante a lactação (acidez titulável e ESD nas vacas com 10 a 60 dias de lactação - Tabela 1-, e teor de cloretos naquelas do 3o ao 9o mês de lactação - Tabela 2) como nos casos sem tratamento (acidez titulável, densidade, EST, ESD e teor de cloretos nas vacas do 3o ao 9o mês de lactação - Tabela 4).
A diferença entre os valores dos quartos doentes e dos quartos sadios na fase 1 foi menor do que a diferença entre os valores na fase 2. Houve maior taxa de recuperação espontânea na fase 1 do que na fase 2 de lactação (21,4% contra 3,7%; dados não tabelados), o que explica estes achados. Quando realizado o tratamento, observou-se taxa de cura de 79,0% em quartos mamários de animais classificados na fase 1 e de 83,3% na fase 2.
A recuperação espontânea de quartos mamários com mastite subclínica pode ser decorrente da proteção conferida por mecanismos de defesa da glândula mamária, primários e secundários. Os mecanismos de defesa primários são aqueles que previnem a entrada de patógenos na glândula e estão associados com o canal do teto. Os mecanismos secundários são os que apresentam maior relação com a cura espontânea, representados por um complexo sistema de mecanismos químicos, celulares e imunológicos, localizados no interior da glândula (Guidry, 1985), como a lactoferrina, o sistemacomplemento, a lisozima e o sistema lactoperoxidase- tiocianato-peróxido de hidrogênio (Sordillo et al., 1997).
Um estímulo inflamatório, infeccioso ou não, determina a reação local, representada pela liberação, pela ativação e pela síntese de mediadores químicos. Esta reação se manifesta por alterações hemodinâmicas e hematológicas. A grande quantidade de mediadores derivados do plasma ou das células, assim como a atuação dos mecanismos de defesa da glândula mamária, pode influenciar a sobrevivência de microrganismos como o Staphylococcus aureus e, desta maneira, modificar as taxas de recuperação espontânea de quartos mamários com mastite subclínica (Sol et al., 1997).
Existem aspectos que precisam ser melhor avaliados durante o tratamento da mastite subclínica na lactação, relacionados com a produção de leite dos animais após o tratamento e com as conseqüências da terapia sobre outros quesitos relacionados com a qualidade do produto. Neste contexto, a investigação da presença de resíduos antimicrobianos no leite e a análise da relação entre custo e benefício do tratamento da mastite subclínica durante a lactação poderão fornecer mais subsídios a produtores e a profissionais envolvidos com os sistemas leiteiros de produção.
Conclusões
O tratamento contra a mastite subclínica causada por S. aureus melhorou aspectos como o EST e o teor de cloretos na fase 1 de lactação e a acidez titulável e o ESD na fase 2, assim como a densidade em ambas as fases estudadas, ao serem comparados os valores apresentados por quartos tratados com valores de quartos homólogos sadios que serviram como controle, decorridos 30 dias de acompanhamento.
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Luiz Francisco Zafalon
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