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Ambiental profissionais produção animal

Desafios para atuação ambiental dos profissionais da produção animal

Publicado: 15 de outubro de 2012
Por: Julio Cesar Pascale Palhares, Zootecnista, Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, SP.
Sumário

Resumo

Tem-se verificado que alguns fatores de dimensão social e cultural estão atuando como limitantes a atuação profissional que visa à viabilidade ambiental das produções pecuárias. Esses limitantes estão presentes em todas as regiões brasileiras. Além disso, esses limitantes desgastam a imagem dos bons profissionais, bem como dificultam a mudança dos paradigmas produtivos. Nesse ensaio, os limitantes traduzem-se na proposição de “teorias” que impedem e/ou dificultam a atuação profissional. A proposição dessas teorias foi feita considerando-se: o pensamento de nossa sociedade e a realidade produtiva da pecuária brasileira, os históricos e as realidades de países tradicionais na produção de proteína animal e a experiência científica e prática do autor. As teorias relacionadas são: caça as bruxas, pára-quedistas, meio ambiente/futebol/política, afrouxamento legal e custo de produção x custo ambiental. As teorias são comuns a todas as cadeias pecuárias e se farão presentes em maior intensidade nas regiões e cadeias com maior histórico de conflitos ambientais.

Palavras-chave: animais, manejo, recursos naturais, resíduos.

Realizar o manejo ambiental de uma atividade pecuária não é um processo simples, devido aos inúmeros fatores que isso envolve, sendo eles: a atividade em si; o meio ambiente e seus recursos; as interações da atividade com outras atividades produtivas, principalmente com a agricultura; as legislações que regulam a atividade; os parâmetros econômicos e os valores sociais e culturais. Portanto, o manejo deve ser muito bem realizado, caso contrário, as ações poderão ter efeito adverso ao ambiente e a produção.
Sendo a atividade e a unidade produtiva elos de uma cadeia e como tal expostas a diversas interações com o meio interno a externo a propriedade, somente o correto manejo, mesmo utilizando todos os conhecimentos e tecnologias disponíveis, não significará viabilidade ambiental da produção.
Tem-se verificado que alguns fatores de dimensão social e cultural estão atuando como limitantes a atuação profissional que visa à viabilidade ambiental das produções. Esses limitantes estão presentes em todas as regiões brasileiras. Além disso, esses limitantes desgastam a imagem dos bons profissionais, bem como dificultam a mudança dos paradigmas produtivos.
Nesse ensaio, os limitantes traduzem-se na proposição de “teorias” que impedem e/ou dificultam a atuação profissional. A proposição dessas teorias foi feita considerando-se: o pensamento de nossa sociedade e a realidade produtiva da pecuária brasileira, os históricos e as realidades de países tradicionais na produção de proteína animal e a experiência científica e prática do autor.
As teorias são comuns a todas as cadeias pecuárias. Elas se farão presentes em maior intensidade nas regiões e cadeias com maior histórico de conflitos ambientais, como a produção de suínos no Oeste do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná e, mais recentemente, a bovinocultura de corte no bioma amazônico.
Se os limitantes não forem considerados, mais difícil será o manejo ambiental, significando maior demanda de tempo e recursos financeiros para as soluções e maiores os conflitos entre os atores das cadeias produtivas e desses com a sociedade.
As teorias propostas são:
 
Teoria da “Caça as Bruxas”
O conflito faz parte de qualquer processo ambiental, saber lidar com ele é fundamental para se ter sucesso e propor as melhores soluções. Por isso, em sua atuação o profissional pecuário deverá ser o mediador desses conflitos, pois ele tem os conhecimentos necessários para esclarecer os impactos positivos e negativos das potenciais soluções. Há conflitos desnecessários, que além de consumirem tempo nesta infinita corrida à sustentabilidade, pode fomentar o pessimismo, o descrédito e o radicalismo. Esses conflitos também consomem recursos financeiros, tão escassos em um país como o Brasil, que não pode perder tempo e dinheiro, frente aos inúmeros problemas ambientais, sociais e econômicos existentes.
É muito comum ouvirmos dos atores das cadeias agropecuárias questionamentos a respeito de quanto poluente é a produção animal frente a outras atividades humanas. Um fato muito recorrente é a comparação da poluição causada pelos dejetos de animais e aquela causada pelos esgotos urbanos. O momento, considerando a situação ambiental do Brasil e do planeta, não é de buscar culpados. Enquanto perde-se tempo com isto, caçando-se bruxas, os problemas se agravam. Tanto os esgotos urbanos como os pecuários são problemas que devem ser atacados com vigor, pois impactam a saúde ambiental e a qualidade de vida de todos. Os problemas originados por qualquer atividade urbana ou rural serão mais facilmente equacionados se ocorrer uma união para resolvê-los.
 
Teoria dos Pára-quedistas
Qualquer atividade pecuária apresenta um passivo ambiental considerável, principalmente na eficiência de uso de nutrientes, que é baixa, o que se traduz em elevado risco a poluição das águas, solo e ar.
Paralelo a essa realidade, meio ambiente é um assunto que tem dado reconhecimento e proporcionado ganhos financeiros a qualquer profissional que deseja atuar na área. Ultimamente, vêem-se muitos profissionais atestarem que têm a solução para os problemas ambientais da pecuária, quando na verdade não têm conhecimento dos conceitos básicos em manejo ambiental e da produção de animais.
Estes pára-quedistas estão presentes em todos os segmentos sociais, na política, no empresariado, nas organizações não-governamentais, nas universidades e institutos de pesquisa e na mídia. E com certeza os que mais sofrem com a existência deles são os produtores rurais, pois muitas vezes estes não dispõem de nenhum conhecimento em manejo ambiental, estando suscetíveis a aceitar qualquer intervenção ou tecnologia que lhes é oferecida a fim de resolver seus problemas no menor tempo possível e com o menor custo.
Um bom profissional ambiental sabe que manejar meio ambiente demanda dois conceitos básicos, visão sistêmica e intervenções adaptadas a realidade produtiva, econômica, social, cultural e ambiental do produtor e da produção. De outra forma, nenhuma proposição terá validade no tempo e produtor e cadeia produtiva estarão sempre em busca de “milagres” ambientais.
A melhor forma de evitar esses pára-quedistas e tendo um conhecimento básico em manejo ambiental, o que irá conferir capacidade de discernimento ao cliente, ou demandar profissionais que sejam tradicionais no mercado e tenham formação ambiental e pecuária.
 
Teoria Meio Ambiente/Futebol/Política
O brasileiro tem como característica cultural achar que domina vários assuntos. Nos anos recentes, o meio ambiente começou a sofrer deste mal. É salutar que meio ambiente seja discutido por todos, se tornando uma conversa cotidiana, mas há uma linha tênue entre a discutir meio ambiente e a discussão sem fundamentação o que, na grande parte das vezes, levará a posições e decisões infundadas, tomadas com base em opiniões pessoais e interesses particulares.
As questões ambientais são muito sérias, pois determinam a existência de vida no planeta. Portanto, passado o momento de meio ambiente ser um modismo de alguns, estamos no momento de conhecer, fazer, avaliar e fazer de novo. Para isso precisamos nos educar ambientalmente. Caso isso não aconteça no curto e médio prazo, o Brasil corre o risco de perder em quantidade e qualidade sua riqueza ambiental e consequentemente sua capacidade e competitividade como grande produtor de produtos agropecuários.
Muitos têm a solução para os problemas amazônicos sem nunca terem ido a Amazônia, somente conhecendo-a pela grande mídia. Muitos exigem a produção de proteína animal em bases ambientalmente mais equilibradas, mas não têm o mínimo conhecimento de como essa proteína é produzida e quais as características econômicas, sociais, ambientais e culturais dessa produção.
Se o conhecimento simplificado das questões ambientais da pecuária fosse suficiente para resolver os problemas, os europeus e norte-americanos, que têm maior histórico de produção, não teriam preocupações ambientais com a atividade, pois mesmo dispondo de conhecimento apurado, histórico de pesquisa e internalização dos problemas na sociedade, os desafios ambientais de suas pecuárias ainda são enormes.
Se não tivermos conhecimento do que estamos fazendo e qual as estreitas relações da produção pecuária com a preservação e conservação do meio ambiente, iremos ter a mesma situação internacional: regulações extremamente restritivas, cotas produtivas relacionadas ao manejo dos resíduos, altas taxações sob e excesso de nutrientes por área, obrigatoriedade de reduzir os rebanhos em regiões de histórico produtivo e conflitos sociais intensos.
 
Teoria do “Afrouxamento Legal”
A história mostra que existem duas formas para se alterar a realidade ambiental de uma cadeia produtiva ou sociedade: a existência de legislação ambiental tecnicamente embasada e suportada por uma estrutura legal e fiscalizatória robustas e a mudança da relação do ser humano com o meio ambiente, essa mudança ocorrerá via educação. A legislação promove a preservação e conservação ambiental no curto e médio prazo, enquanto a educação promoverá no longo prazo, ou seja, conduzirá a sustentabilidade.
Defender o afrouxamento das leis ambientais com a justificativa que estas estão impedindo o desenvolvimento da pecuária é desconhecer as nuances produtivas e ambientais da atividade, as experiências e realidades de outros países e demonstrar uma total falta de comprometimento com o futuro da sociedade e pecuária brasileira e com a sustentabilidade da atividade. Certamente, os que defendem isso não utilizam a palavra afrouxamento, usam palavras mais simpáticas como modernização e atualização. Justificam que querem a alteração com base nas informações geradas pela ciência, mas faltam-lhes argumentos científicos para basear suas proposições. Há que se fazer uma ressalva. Muitos padrões, limites, etc. determinados pelas leis ambientais brasileiras não encontram sustentação científica. Esse fato não deve ser utilizado como oportunidade para questionarmos as leis a fim de afrouxá-las, mas sim como necessidade de se fazer estudos cientificamente válidos para se fazer as mudanças necessárias. Se todos concordam que as leis ambientais devem basear-se no conhecimento e que o conhecimento é dinâmico, portanto em constante evolução, as leis devem acompanhar essa evolução. Assim o processo de avaliação das leis ambientais deve ser comum a sociedade. No Brasil, algumas legislações já trazem em seu conteúdo a obrigatoriedade de revisão num prazo de cinco anos.
Cito como exemplo a questão dos recursos hídricos. É fato validado pela ciência a importância da existência de matas ciliares para preservação e conservação dos recursos hídricos superficiais, a não existência desta ou sua existência em uma quantidade insuficiente causará a degradação dos recursos hídricos em quantidade e qualidade, impossibilitando seu uso direto. Quanto maior a escassez de água, menor a competitividade da atividade pecuária, pois maior será o custo de produção. Água é o principal alimento e ativo ambiental em qualquer atividade pecuária. Não tê-la na quantidade e qualidade necessárias limitará a produção. Então uma regulação, que vise preservar e conservar esse recurso natural não pode ser alvo de contestação do pecuarista e profissional agropecuário, tão dependente do recurso para sua sobrevivência.
Leis e regulações ambientais proporcionarão a mudança do comportamento produtivo e da atuação dos profissionais pecuários o que terá como consequência a melhoria da performance ambiental das produções. Performance também deve ser entendida como redução dos custos de produção devido a menor consumo de recursos naturais renováveis e não-renováveis.
O afrouxamento das leis ambientais perpetuará práticas ainda cotidianas em nossa pecuária e lesivas a saúde humana e ambiental como o descarte de efluentes nos rios sem qualquer tratamento, o uso dos resíduos animais como fertilizante sem considerar o princípio do balanço de nutrientes e a significativa emissão de gases e odores. O afrouxamento das leis fomentará campanhas pela redução do consumo de proteína animal devido aos passivos ambientais da atividade, contestações do mercado interno e externo quanto à qualidade ambiental de nossos produtos e a reduzida preocupação com o manejo ambiental da atividade por nossos profissionais, produtores, agroindústrias e cooperativas.
 
Teoria do Custo de Produção x Custo Ambiental
Justifica-se que o grande impedimento para realização das intervenções e manejos ambientais são os custos elevados. Muitos têm defendido que elas só serão possíveis se considerarem o conceito ganha-ganha, ou seja, a intervenção ou manejo só se justifica se der lucro. Esse tipo de pensamento contradiz o princípio básico: as intervenções e manejos são implementados para preservar e conservar o ambiente a fim de que as produções se perpetuem no tempo. Se o princípio básico for ganhar dinheiro corre-se o risco de no curto, para áreas já comprometidas e médio prazo, para áreas ainda sem degradação, não se dispor de recursos naturais para produção.
Atualmente, também há uma confusão, muitas vezes proposital a fim de tumultuar as discussões e/ou justificar a não correção ambiental, que se fosse disponibilizado recursos financeiros ao produtor na forma de subsídios, créditos e pagamento pelos serviços ambientais que ele presta a sociedade os problemas estariam resolvidos. Todas as formas citadas são instrumentos econômicos que devem ser considerados para adequação ambiental, mas nunca serão a solução única para os problemas. Se assim fossem, Europa e Estados Unidos, com todo seu histórico de subsídios ambientais e produtivos, não teriam problemas graves e generalizados relacionados a atividade pecuária.
Mesmo as formas mais simples de intervenção como a esterqueira, que é um tanque de armazenamento de dejetos tem seu custo questionado, pois se diz que esse é proibitivo para a realidade de alguns produtores. Ressalta-se que o risco ambiental de uma esterqueira é muito alto devido aos gases que são emitidos; a possibilidade de contaminação do solo, se a estrutura não for corretamente construída, a poluição das águas superficiais por escoamento e subterrâneas por infiltração. Então se pergunta: o custo da esterqueira frente ao custo de toda degradação que o incorreto manejo dos resíduos pode causar, não compensa?
A fragilidade da argumentação de que os custos ambientais inviabilizam a produção é verificada na resposta a pergunta: qual o custo ambiental do quilograma da carne suína, de frango, etc., do litro de leite, entre outros. A resposta sempre será a mesma. Não sabemos!
Então como dizer que esse custo é inviável se nem sabemos quanto é. Muitos confundem custo ambiental como custo para obtenção da licença ambiental. O custo do licenciamento será um dos quesitos que entrará no custo ambiental. Considerando que grande parte das unidades pecuárias brasileiras não possuem nem licença ambiental, nem esse custo pode ser considerado.
Portanto, a argumentação de que o custo é muito alto só poderá ser aceita quando tivermos conhecimento de quanto é esse custo. Para isso os resíduos pecuários não devem mais ser entendidos como uma externalidade da atividade, mas sim como parte do processo de criação e como tal devem fazer parte das análises de custo de produção.
O manejo ambiental sempre dará retorno econômico; reduzindo o custo de produção devido ao menor consumo de água, ração, energia, fertilizantes e combustíveis; melhorando a eficiência no uso de insumos, principalmente nitrogênio e fósforo; otimizando a mão-de-obra; aumentando a vida útil de máquinas e equipamentos; melhorando o nível de instrução e a capacidade técnica de produtores e colaboradores; disponibilizando mais área agricultável por unidade produtiva para produção de forragens e grãos.
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