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Setor lácteo no Brasil: uma análise do macroambiente competitivo

Publicado: 5 de março de 2013
Por: Glauco Rodrigues Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite e Vieira, S. B. K.
Revisão de Literatura
A produção mundial de leite de vaca foi de 549,7 bilhões de litros em 2006 (FAO, 2007). Entre 1996 e 2006, verificou-se alteração na produção, com alguns países produtores perdendo participação de mercado, como Rússia, Ucrânia e membros da União Européia. Por outro lado, tem ocorrido incremento da oferta em outros países como, por exemplo, Nova Zelândia e Brasil (CARVALHO et al., 2006).
A pecuária de leite tem passado por transformações importantes em todo o mundo. No Brasil, a produção vem continuamente aumentando e o processo de substituição de importações se consolidou. Para os próximos anos o desafio maior será a exportação de leite (MARTINS, 2007). Todavia, a competitividade possui elementos externos a cadeia produtiva propriamente dita, mas que afetam seu desempenho. Conforme salientado em PORTER (1999), a competitividade de um país depende da capacidade de sua indústria de inovar e melhorar. Além disso, as estruturas econômicas, as instituições e a historia são fatores que contribuem para o êxito competitivo.
A introdução de produtos ou processos, além de serem novos para a empresa, o são também para o mercado, atribuindo significativas vantagens competitivas para as empresas que as introduzem. Além disso, a inovação é o impulso fundamental que coloca e mantém em movimento a engrenagem da economia (SCHUMPETER, 1982).
Uma das fronteiras do pensamento econômico atual encontra-se na integração das instituições à teoria do desenvolvimento econômico, já que elas permeiam direitos de propriedade, defesa da concorrência, sistema judiciário, meio ambiente, entre outras (TEIXEIRA, 2007). Neste sentido, estudos com análises entre países mostram que nações com instituições mais fortes, experimentam maiores índices de crescimento econômico per capita e maiores taxas de investimento interno e externo (BARRO, 1991; KNACK & KEEFER, 1995). A falta de instituições adequadas redunda em maiores custos de transação, impedindo o perfeito funcionamento do mercado (COASE, 1937). Isso porque leva a um incremento nos custos de contratação e a um maior nível de verticalização nas empresas.
A fragilidade nas instituições reflete também no setor de infra-estrutura, sobretudo via fragilidade na regulação. De acordo com PINHEIRO & GIAMBIAGI (2006), a infra-estrutura brasileira nas décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980 expandiu-se principalmente devido ao setor de transporte, energia e telecomunicação. Contudo, a partir de meados de 80 houve um declínio nas taxas de investimento, com impactos negativos sobre e o crescimento econômico e a lucratividade das empresas.
 
Metodologia
Para elaboração desse estudo foram utilizados dados secundários do setor lácteo e levantadas informações sobre pilares de competitividade dos países do Fórum Econômico Mundial. Foi escolhido o Brasil mais quatro países de tradição na produção e/ou exportação de lácteos, como Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Argentina.
No caso do setor lácteo, para calculo da produtividade média, fez-se a divisão da produção de leite pelo tamanho do rebanho leiteiro, chegando a produção média por vaca. Para os custos de produção, utilizaram-se os dados da rede IFCN (International Farm Comparison Network) disponíveis em HEMME et al. (2006).
Os indicadores de instituições, infra-estrutura, estabilidade macroeconômica, inovação e tamanho do mercado foram baseados no relatório 2007-2008 do Fórum Econômico Mundial (WEF, 2007).
 
Resultado e Discussão
Produção de leite
A Tabela 1 apresenta resultados de produção, produtividade e custos de produção. O Brasil é o 6º maior produtor mundial de leite, com cerca de 25 bilhões de litros. Entre os países analisados o Brasil perde apenas para os Estados Unidos. A Nova Zelândia, Austrália e Argentina vêm em seguida como importantes produtores. Entre 1996 e 2006, a produção mundial cresceu de 17%. Nesse mesmo período a produção da Nova Zelândia avançou 45% e a do Brasil 33%, portanto bem acima da média mundial. A produção dos Estados Unidos acompanhou o crescimento da média mundial enquanto a Austrália e Argentina apresentaram desempenho pior. A produção na Austrália aumentou 14%, enquanto na Argentina houve recuo de 11%.
O aumento de produção no Brasil ocorreu principalmente devido ao aumento da produtividade média. Ainda assim, o país ocupa uma posição ruim no âmbito mundial nesse indicador, com uma produtividade quase três vezes inferior a da Nova Zelândia e sete vezes menor que a dos Estados Unidos. Já no âmbito de custos, o Brasil encontra-se no segundo grupo de maior competitividade, entre US$ 0,18 e US$ 0,23 por litro, ao lado de Nova Zelândia e Austrália. A Argentina possui o menor custo de produção enquanto os Estados Unidos tem o custo mais elevado.
Tabela 1. Pecuária de leite: produção, produtividade e custos em países selecionados
Setor lácteo no Brasil: uma análise do macroambiente competitivo - Image 1
Competitividade global
No relatório 2007-2008 foram analisados 131 países, com o Brasil ocupando a 72ª posição e uma pontuação de 3,99 em um total de 7,0. Os Estados Unidos ocuparam a 1ª posição, com uma pontuação de 5,67. A Austrália apareceu em 19ª posição enquanto Nova Zelândia e a Argentina ficaram na 24ª e 85ª posições, respectivamente. Portanto, na avaliação o Brasil ficou na frente apenas da Argentina, que obteve baixa avaliação em instituições e inovação. A Figura 1 ilustra uma comparação do Brasil com os demais países em seis pilares, incluindo a avaliação global. Uma avaliação mais detalhada de cada pilar pode ser verificada na tabela 2, com a posição no ranking global e a pontuação recebida.
Fonte: WEF (2007). Elaboração dos autores
Figura 1. Avaliação da competitividade global de países selecionados
Setor lácteo no Brasil: uma análise do macroambiente competitivo - Image 2
Para a Estabilidade Macroeconômica, o 1º lugar entre os países analisados foi ocupado pela Austrália que ficou na 34ª posição no ranking geral. Em seguida apareceu a Nova Zelândia, Argentina e Estados Unidos. O Brasil ficou em último lugar entre os países analisados e um dos últimos no âmbito mundial, já que continua com problemas que prejudicam a competitividade: alto spread bancário; gastos públicos elevados e alta carga tributária; setor público ineficiente e incapaz de prover serviços públicos e infra-estrutura de qualidade; um sistema legal complexo, burocratizado e lento.
Tabela 2. Pilares de competitividade em países selecionados: posição no ranking de 131 países e nota no máximo 7
Setor lácteo no Brasil: uma análise do macroambiente competitivo - Image 3
Na avaliação de Instituições, a Nova Zelândia é o país com melhor desempenho, ocupando a 9ª colocação no ranking global. A Austrália, os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina, nessa ordem, vieram na seqüência. As instituições têm uma forte influência sobre a competitividade e crescimento econômico, pois desempenham papel relevante nas relações sociais, nas estratégias e políticas de desenvolvimento. Além disso, elas têm um peso elevado em decisões do investimento e na organização da produção. No Brasil, a recente crise aérea, os escândalos de corrupção e os problemas de fraude no leite são sinais de fragilidade institucional.
No quesito Infra-estrutura, os Estado Unidos ficaram na 6ª posição no ranking geral. A Austrália, Nova Zelândia, Brasil e Argentina vieram em seguida. A baixa avaliação do Brasil (78ª) reflete os diversos problemas relacionados à qualidade da infra-estrutura de transportes, comunicação e de fornecimento de energia, como reflexos dos baixos investimentos públicos e falta de ambiente regulatório transparente. Os gargalos da infra-estrutura afetam diretamente o setor lácteo em função, principalmente, dos custos logísticos.
No pilar Inovação os Estados Unidos ocuparam 4ª posição, seguido pala Austrália (23ª) Nova Zelândia (25ª), Brasil (44ª) e Argentina (83ª). Isso mostra que ocorre no Brasil algumas distorções de prioridades, já que o país está relativamente melhor classificado em indicadores mais sofisticados, como o de Inovação e encontra-se em posições ruins em pilares dos fatores básicos como Instituições, Infra-estrutura, Macroeconomia.
No pilar Tamanho do Mercado, o Brasil apresentou melhor desempenho. A colocação brasileira foi a 10ª com uma nota de 5,44. Entre os países analisados o Brasil ficou abaixo apenas dos Estados Unidos, que ocupou a 1ª posição mundial já que possui população elevada e com alto poder de compra. Austrália, Argentina e Nova Zelândia vieram depois. Os mercados maiores permitem que as empresas explorem economias de escala, ganhando competitividade.
 
Conclusão
A competitividade de um setor depende de vários fatores que fogem do controle das companhias, mas que afetam diretamente o seu desempenho. No mercado de leite, verifica-se que o Brasil possui competitividade em custos de produção e uma oferta em expansão, mas com nível de produtividade muito aquém do padrão internacional.
No que tange a aspectos mais gerais, o Brasil ocupa um posição ainda frágil em relação a outras economias mais desenvolvidas como Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia ou mesmo em desenvolvimento como a Argentina. O Brasil é o pior colocado na Estabilidade Macroeconômica entre os cinco países analisados. No âmbito das Instituições a colocação brasileira está à frente somente da Argentina, o mesmo ocorreu nos quesitos, Infraestrutura e Inovação. O melhor desempenho brasileiro ocorreu no Tamanho de mercado, fornecendo boa contribuição para o setor lácteo. Isso, porque populações maiores significam mais consumidores de leite. Resta, no entanto, avançar nos demais indicadores para que o país cresça em ritmo mais elevado, com melhorias da renda e sua distribuição. Por fim, melhorias nas demais áreas serão importantes para o posicionamento mais competitivo da indústria de laticínios no cenário global.
 
Referencias Bibliográficas
BARRO, R. Economic growth in a Cross Section of Countries. The Quarterly Journal of Economics, v. 106, n. 2. Mai. 1991, p 407-447.
CARVALHO, G.R.; OLIVEIRA, A. F. de O setor lácteo em perspectiva. Boletim de conjuntura agropecuária. Campinas: Embrapa Monitoramento por Satélite, setembro de 2006. 23 p.
COASE, R. H. The nature of the firm. In: Economica N. S., 4 november, 1937.
FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. FAOSTAT database, 2007. Disponível em <http://faostat.fao.org/faostat/collections?subset= agriculture>. Acesso em: 05 outubro 2007.
HEMME et al. IFCN Dairy Report 2006, International Farm Comparison Network, IFCN Dairy Report Center, Kiel, Germany. p.198, 2006.
KNACK, S.; KEEFER, P. Institutions and economic performance: cross-country tests using alternative institutional measures. Economics and politics, 7, p.207-227, 1995.
MARTINS, P. C. O futuro é leite em excesso. Piracicaba. Portal Milkpoint. Jan. 2007. Disponível em: http://www.milkpoint.com.br.
PINHEIRO, A. C.; GIAMBIAGI, F. Rompendo o marasmo: a retomada do desenvolvimento no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, p.312, 2006.
PORTER, M. E. Competição = on competition: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
TEIXEIRA, E. C., BRAGA, M. J. Instituições e desenvolvimento econômico. Viçosa, Universidade Federal de Viçosa, 2007.
WEF – WORLD ECONOMIC FORUM. Global Competitiveness Report 2007-2008, 2007. Disponível em < http://www.gcr.weforum.org/>. Acesso em: 10 outubro 2007.

** O trabalho foi originalmente publicado por Embrapa Gado de Leite / Organizado pelo Centro de Inteligência do Leite CILeite.
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Autores:
Glauco Rodrigues Carvalho
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