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Boas práticas de ordenha

Publicado: 24 de outubro de 2011
Por: Luiz Francisco Zafalon, Cláudia Rodrigues Pozzi, Fábio Prudêncio de Campos, Juliana Rodrigues Pozzi Arcaro, Patrícia Sarmento, Soraia Vanessa Matarazzo
Introdução
A qualidade dos produtos de origem animal, seja a carne, seja o leite, exige cuidados desde a sua origem. Apesar de muito se falar em características qualitativas na indústria processadora de alimentos, as condutas higiênicas anteriores à sua saída do estabelecimento rural são fundamentais quando o assunto é qualidade.
No mercado de produtos alimentícios, a qualidade deixou de ser simplesmente uma vantagem competitiva e se tornou um requisito fundamental para a comercialização dos produtos. O correto manuseio dos alimentos abrange desde a matériaprima até o produto final e tem por objetivo garantir a integridade do alimento e a saúde do consumidor.
Dentre os elementos envolvidos nas atividades relacionadas com as boas práticas de fabricação dos produtos de origem animal, o elemento humano é o mais importante, porque são as pessoas que planejam, implementam e mantêm os sistemas efetivos. Aspectos relacionados com a sanidade dos animais vêm ao encontro de produtos finais saudáveis e seguros à população e, ao mesmo tempo, sem impedimentos que prejudiquem a expansão de seu comércio, seja do ponto de vista nacional, seja do ponto de vista internacional.
Os alimentos de origem animal são reconhecidos pelo seu alto valor nutritivo. Neste contexto, a mesma composição que torna o leite um alimento rico e indicado à alimentação humana, principalmente em países em que existem grandes carências nutricionais, também o faz um excelente meio para o desenvolvimento de diversos microrganismos, muitos deles com potencial para provocar casos de intoxicação alimentar.
Um assunto que necessita de mais atenção por parte dos profissionais que atuam na assistência técnica ao produtor e na indústria processadora do leite é a maneira pela qual o produto é retirado do animal. As condutas higiênico-sanitárias realizadas na propriedade podem prejudicar a eficiência dos tratamentos térmicos efetuados no estabelecimento processador. Assim, boas práticas de ordenha poderão interferir positivamente na obtenção do produto final ao consumidor.
São objetivos deste documento oferecer orientações e informações sobre como efetuar boas práticas de ordenha para aumentar a possibilidade de o produto final chegar à mesa do consumidor em condições apropriadas ao consumo e com maior prazo de validade, sem perder as suas características físicas, químicas e organolépticas. Dessa forma, pretende-se colaborar com produtores e profissionais envolvidos na atividade leiteira.
Características do leite
O leite é um produto com sabor suave e próprio, agradável e ligeiramente adocicado, mas pode impregnar-se facilmente de odores e de sabores estranhos. Constituintes opacos em suspensão conferem ao leite a sua coloração branca por meio da reflexão da luz. A existência de poucas partículas de grande tamanho em suspensão faz com que o leite adquira tonalidade azulada, que é mascarada pela presença de pigmentos carotenóides.
O soro do leite exemplifica a relação de tamanho e de número de partículas na reflexão da luz e da coloração predominante. Além de conter quantidade razoável de riboflavina, responsável pela tonalidade amarelo-esverdeada, as partículas em suspensão no soro não se apresentam em tamanho e em concentração suficientes para promover a reflexão da luz incidente.
Algumas características do leite são freqüentemente utilizadas na verificação da qualidade do produto, tanto nas plataformas de recepção das usinas de beneficiamento como nas indústrias de processamento: a acidez titulável, o ponto crioscópico e a densidade.
Embora se considere a variação de pH entre 6,2 e 6,8 como normal, a maioria das amostras de leite recentes ou bem conservadas têm pH entre 6,5 e 6,7. A acidez do leite também pode ser expressa em porcentagem de ácido lático (acidez titulável), que pode variar entre 0,10% e 0,20%. Além do ácido lático, vários outros componentes naturais contribuem para esta acidez, tais como fosfatos, caseína, demais proteínas lácteas, citratos e dióxido de carbono. A acidez expressa pela presença de ácido lático e aferida pela titulação com solução de hidróxido de sódio também é denominada de acidez Dornic. Uma vez que o ácido lático é formado pela fermentação da lactose por bactérias mesófilas, este teste pode indicar condições microbiológicas inadequadas da matériaprima.
O ponto crioscópico, ou ponto de congelamento, é uma das constantes físicas mais estáveis no produto e se deve ao equilíbrio osmótico entre o leite e o sangue. Ele varia em relação direta com a concentração de solutos; valores mais altos do que o normal significam adição de água e conseqüentemente diluição destes solutos. Considera-se valor crioscópico normal para o leite a temperatura máxima de até –0,512oC. A determinação do ponto crioscópico do leite permite a detecção de fraude por adição de água a partir de 3%.
Além das características mencionadas, o leite tem ponto de ebulição à pressão atmosférica ao nível do mar igual a 100,5oC. Quanto mais concentrado for o produto, tanto maior será o ponto de ebulição; da mesma forma, quanto maior for a pressão atmosférica, tanto menor será a temperatura em que o leite atinge a ebulição (PRATA, 2001).
Densidade é a relação entre a massa de uma substância e a unidade de volume ocupado; densidade relativa é a relação obtida por comparação com a densidade da água pura a 15oC, considerada igual a 1,00 g/mL. A densidade relativa do leite a 15oC, considerada como normal, varia de 1,028 a 1,034 g/mL e representa a somatória da densidade intrínseca de todos os seus constituintes.
A capacidade de um líquido de conduzir eletricidade é a função do número de íons ou de partículas carregadas que o líquido contém. Em leite normal, a condutividade elétrica está entre 4,0 e 5,5 mS/cm1 a 25oC; essa característica é conferida, principalmente, pelos íons Na+, K+ e Cl-. A condutividade diminui em fraudes por aguagem, enquanto se eleva em leite oriundo de animais com mastite.
A viscosidade pode ser definida como a fricção entre as partículas de um líquido e destas com o recipiente que o contém; ela determina a resistência a fluir deste líquido. A viscosidade é função do número e do tamanho das partículas e depende da temperatura. A viscosidade da água a 20oC é de um centipoise (cP), enquanto nesta mesma temperatura a do leite integral é de 2,1 cP e a do leite desnatado, 1,8 cP.z
A capacidade de doar ou de receber elétrons governa o potencial de oxirredução. Uma substância é redutora quando tem a capacidade de perder hidrogênio ou de receber oxigênio e é oxidante quando possui a capacidade de doar oxigênio ou de receber hidrogênio. O leite normal apresenta a média de potencial elétrico de 0,250 V. Alterações nestes valores podem ocorrer em conseqüência do consumo de oxigênio quando há desenvolvimento de microrganismos ou do aquecimento do leite.
A glândula mamária e a lactação
Em vacas, o úbere está localizado na região inguinal, entre os membros posteriores, dividido em duas metades pelo sulco longitudinal, a esquerda e a direita. Esta separação é feita por lâminas de tecido conjuntivo elástico, que formam o ligamento suspensor médio. Menos evidente é a subdivisão destas duas metades em quartos que compõem o úbere; cada quarto representa uma glândula mamária independente.
Caracteristicamente, o úbere deve estar bem implantado à parede abdominal, com os quartos desenvolvidos uniformemente e revestidos por fina camada pilosa, com tetos bem desenvolvidos e uniformes, e apresentar-se, quando em lactação, tenso e repleto antes da ordenha e relaxado e distendido após a ordenha, sem ultrapassar a articulação do tarso.
O úbere é uma glândula cutânea, constituída de parênquima (tecido secretor) e estroma (tecido conectivo). O tecido glandular é composto de inúmeros alvéolos, que se reúnem ou são revestidos por uma única camada de células secretoras. Estas células possuem estruturas contráteis atuantes no processo de ejeção do leite e se estendem também ao longo de condutos. Por meio de finos condutos, os alvéolos se comunicam com os canais galactóforos, que confluem para canais de maior calibre. Estes desembocam numa cavidade maior denominada cisterna da glândula, que se prolonga até a cisterna do teto. O teto é composto por cisterna e esfíncter, localizado no extremo inferior do teto. O esfíncter é composto por um músculo, que se contrai para impedir a saída espontânea de leite e para dificultar a penetração de microrganismos, e que relaxa pelo estímulo da ordenha.
Todo o úbere é densamente irrigado por vasos sangüíneos ricos em nutrientes. Esses vasos se ramificam e fazem a comunicação com as células secretoras e ligam o sistema arterial ao venoso. A inervação da glândula é realizada por fibras sensoriais e por fibras motoras.
A ejeção do leite ocorre devido ao estímulo produzido pela amamentação do bezerro ou pela ordenha do animal em lactação, que produz um reflexo neuroendócrino, com uma rota neural e outra hormonal. A rota neural advém da grande inervação da glândula mamária e dos tetos e da pressão executada nos receptores na pele do úbere, que são transformados em impulsos nervosos e levados ao cérebro. Estes impulsos chegam ao hipotálamo e há liberação de oxitocina a partir da hipófise posterior para a corrente circulatória. O início da rota hormonal se dá quando a oxitocina segue em direção à glândula mamária e se liga aos receptores nas células mioepiteliais, contraindo-as e expulsando o leite para o lúmen alveolar. Os reflexos visuais e auditivos do animal também são importantes para a liberação da oxitocina, o que explica o fato de muitas vacas liberarem o leite antes da entrada na sala de ordenha.
A importância do fenômeno de liberação da oxitocina provém do fato de qualquer alteração na rotina de ordenha dos animais poder comprometê-lo ou fazer com que o tempo de liberação seja reduzido, ocasionando a diminuição da produção de leite do animal. Ações que levem ao estresse das vacas também podem comprometer a ordenha e prejudicar a secreção láctea. Ruídos e odores anormais ou estímulos demasiadamente excitantes ou estressantes promovem inibição central do reflexo e detêm a liberação de oxitocina, além de provocar constrição de arteríolas e de capilares no úbere.
O homem, o ambiente e a rotina de ordenha
Alguns fatores ambientais básicos são capazes de influenciar de forma negativa o equilíbrio entre o ambiente, o hospedeiro e o agente responsável pela doença. Estes fatores envolvem componentes físicos ou químicos, tais como solo, água, elementos químicos usados na higienização de tetos e de equipamentos, fatores climáticos e componentes biológicos, representados pela vida animal.
O solo engloba o suporte físico de todo o sistema de interações nele estabelecidas, bem como a fonte de nutrientes essenciais ao componente biológico. A água é vital aos seres vivos, indispensável à existência dos componentes biológicos e a sua presença em qualquer segmento geográfico é influenciada de forma decisiva pelo clima. Os componentes biológicos agrupam-se na dependência de fatores climáticos e de fatores nutricionais.
Além dos componentes citados, torna-se fundamental considerar outro elemento, capaz de alterar profundamente o ambiente e que é representado pela ação interferente do homem, denominado componente socioeconômico e cultural. Neste, incluemse diversos fatores, tais como hábitos sociais e alimentares, crenças religiosas e condições tecnológicas e econômicas, por exemplo, estruturas sanitárias e natureza do trabalho.
As boas práticas de ordenha de animais leiteiros envolvem obrigatoriamente três fatores, que devem participar do processo de forma harmônica: o ordenhador, o ambiente em que os animais permanecem antes, durante e depois da ordenha, e a rotina de ordenha.
Entre o animal e os latões ou o tanque de resfriamento ou ainda a ordenhadeira mecânica existe a figura-chave da pessoa que ordenha. Sem a atenção necessária a este componente essencial no manejo de ordenha, nulos se tornam os investimentos em equipamentos modernos ou em animais de alta eficiência produtiva. Ineficazes tornam-se, também, os cuidados dispensados em gastos com medicamentos e em investimentos em infra-estrutura, pastagens, silos ou quaisquer melhorias angariadas para a propriedade leiteira.
A variedade das características de formação educacional e cultural dos ordenhadores é enorme. Torna-se altamente recomendável a apresentação de cursos de treinamento e é essencial a utilização de recursos didáticos atrativos a pessoas não acostumadas a sessões de aulas formais. O treinamento de mão-de-obra especializada consciente de sua importância no processo de produção de leite deve ser realizado periodicamente. Desta maneira, princípios de higiene, de funcionamento do equipamento de ordenha e de reação do animal aos estímulos recebidos antes, durante e depois da ordenha são de fundamental importância.
Até mesmo a pessoa responsável pela condução dos animais ao local de ordenha precisa estar ciente de que tal procedimento deve ser feito da maneira mais calma possível, sem agressão aos animais com pedaços de madeira ou de ferro, além de arames ou cordas que causem dor ou desconforto aos animais antes da ordenha.
O estresse dos animais momentos antes da ordenha leva à liberação da adrenalina, cuja ação é antagônica à da oxitocina. Este hormônio, como já mencionado, é responsável pela ejeção do leite, atuando na contração de células que envolvem os alvéolos da glândula mamária. A adrenalina impede a liberação da oxitocina ou evita a chegada da oxitocina às células que envolvem os alvéolos. A falta ou a redução da liberação de oxitocina faz com que quantidade menor de leite seja obtida, diminuindo a produção do animal e, conseqüentemente, o lucro da propriedade. Além disso, deve-se oferecer um ambiente calmo e confortável, com sombra e água de bebida de boa qualidade.
A higiene pessoal do ordenhador é um aspecto extremamente importante para as propriedades produtoras de leite. Deve-se evitar que as pessoas cultivem barba, que tenham unhas mal aparadas, cabelos compridos e não adequadamente cobertos ou presos, e que fumem ou levem as mãos à boca ou às narinas durante a ordenha. A falta de higienização das mãos após utilizar o sanitário durante ou antes do trabalho e o uso de vestimentas sujas e/ou velhas também são condutas a serem combatidas.
Conclui-se que o ordenhador deverá ter hábitos higiênicos. As pessoas que se encontrarem doentes, gripadas ou com lesões nas mãos não devem retirar o leite dos animais. Recomenda-se aos ordenhadores, antes do início da ordenha, seja ela manual, seja mecânica, que lavem as mãos e os antebraços com água e sabão, com o auxílio de escova, e em seguida os sequem adequadamente. O trabalhador responsável pela retirada do leite não deve ser o mesmo que conduz os animais até o local de ordenha ou que amarra as vacas para serem ordenhadas. Ele não deve tocar na cauda ou em qualquer outra parte do corpo dos animais. A sua única função deve ser a ordenha propriamente dita. Todo o pessoal que trabalha com a ordenha das vacas deve possuir carteira de saúde e é importante que tenha testes para tuberculose negativos.
Os cuidados dispensados ao correto manejo de ordenha não devem estar restritos apenas ao ambiente do local de retirada do leite, mas também aos locais em que os animais permanecem antes e depois da ordenha. A sala de espera deve ser sombreada, com disponibilidade de 1,7 a 2 m2 por vaca, no caso de bovinos, com 3% de desnível em relação à entrada da sala de ordenha. Esta última deve ser limpa, arejada e confortável, bem dimensionada e funcional para o animal e para o ordenhador. Na entrada ou na saída da sala de ordenha, quando houver, deve-se evitar o excesso de curvas, dandose preferência ao trajeto em linha reta.
Os locais de produção de leite não devem conter substâncias nocivas que possam afetar a qualidade do produto. Além disso, o leite deve ser protegido contra excrementos, secreções ou resíduos de origem animal. Não se deve produzir leite em lugares onde a água constitua risco à saúde do consumidor. Deve haver controle de pragas, com o emprego de agentes químicos, biológicos ou físicos, desde que estes sejam aplicados sob a supervisão direta de pessoal treinado.
A mastite (inflamação da glândula mamária) pode estar relacionada com microrganismos classificados como ambientais. Dentre estes microrganismos, encontram-se diversas bactérias, tais como Streptococcus uberis e Nocardia spp., além de enterobactérias, como Escherichia coli. Eles são patógenos oportunistas, que sobrevivem e se multiplicam em locais fora da glândula mamária; assim, a higiene do local de ordenha se faz necessária com o intuito de reduzir a possibilidade de multiplicação destes microrganismos. Deve-se evitar o acúmulo de fezes e a proliferação de moscas. Para tanto, recomenda-se que haja uma pessoa responsável pela retirada das fezes, que não seja o ordenhador. A construção de esterqueiras muito próximas ao local de ordenha deve ser evitada.
Os extremos de temperatura, seja o frio, seja o calor, a quantidade excessiva de chuvas ou os locais com muita umidade e com manejo inadequado de pastagens que ocasione lesões dos tetos são fatores predisponentes para a ação de microrganismos responsáveis pela mastite bovina.
O estresse calórico causado por temperatura excessivamente elevada pode ser evidenciado por alterações no comportamento do animal, tais como mudanças dos padrões normais de postura corporal e de movimentação, além de redução da ingestão de alimentos, aumento do consumo de água e aumento do tempo de ócio. Estas são tentativas de redução na produção de calor pelo animal em busca de conforto térmico.
Apesar da necessidade de boa ventilação do local em que os animais são ordenhados, locais muito abertos, expostos a ventos em demasia e sem proteção contra chuvas e outras intempéries devem ser evitados. Em algumas circunstâncias, o ar das instalações pode ser prejudicial aos animais, por veicular microrganismos patogênicos ou por dificultar a regulação da temperatura. Se a umidade relativa do ar atingir valor de 90%, a situação de animais que estiverem estabulados será de desconforto. Estes ambientes favorecem ainda o desenvolvimento de microrganismos, bem como a transmissão de enfermidades infecto-contagiosas.
Salienta-se a importância da qualidade da água utilizada na lavagem dos utensílios e dos equipamentos de ordenha, além da usada para a lavagem de tetos e para a realização da anti-sepsia antes e depois da ordenha. Como forma de ilustrar a necessidade da maior atenção que deve ser dispensada à qualidade microbiológica da água, na Tabela 1 estão apresentados resultados de trabalho que classificou amostras de água coletadas em propriedades leiteiras da região de Jaboticabal, Estado de São Paulo. Observa-se que a maioria das amostras estava fora dos padrões microbiológicos. A possibilidade de que essa situação se repita em outros locais é preocupante.
A rotina de ordenha
Aconselha-se que seja realizada uma “linha de ordenha”, isto é, ordenhar primeiramente os animais sadios e depois aqueles com mastite subclínica, de forma a auxiliar o controle da doença. O leite das vacas tratadas com antimicrobianos deve ser descartado enquanto estiver sendo efetuado o tratamento e durante o período de carência recomendado pelo fabricante do medicamento. Existem lugares onde o leite de vacas tratadas com antimicrobianos é oferecido aos bezerros, o que não é recomendado. A mastite pode estar presente em vacas durante a lactação sob duas formas. A forma clínica é visualizada pelo produtor ou pelo ordenhador por meio de alterações do úbere (por exemplo, vermelhidão), ou de sinais de desconforto do animal, ao ser manuseada a glândula mamária durante a ordenha, além de mudanças macroscópicas do leite (por exemplo, o aparecimento de grumos). A mastite subclínica, ao contrário, não apresenta alterações na visualização do leite e o animal não apresenta sinais de desconforto. Ela pode ser identificada por meio de testes indiretos como o California mastitis test, detalhado mais adiante.
A sanidade do rebanho leiteiro deve ser atestada por médico veterinário, segundo normas e regulamentos técnicos específicos, sempre que requisitado por autoridades sanitárias. No estabelecimento leiteiro deve haver, além do controle da mastite, o controle sistemático de parasitoses e o controle rigoroso de brucelose e de tuberculose, de acordo com o Regulamento Técnico do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal. Os animais do rebanho devem estar com as suas datas de parto e de nascimento devidamente registradas. Não é permitido o uso de leite para o consumo humano oriundo de animais que estejam nas seguintes situações: em fase colostral; com doenças infecto-contagiosas que possam ser transmitidas às pessoas pela ingestão do leite; e submetidos a tratamento com drogas passíveis de eliminação pelo leite.
A ordenha deve ser tranqüila e em ambiente calmo, de preferência em horários fixos e em períodos com temperatura mais amena. Recomenda-se que ela seja realizada de acordo com a rotina indicada a seguir.
 Lavagem dos tetos
Os tetos do animal, quando se apresentarem sujos de esterco, de terra, de barro ou de lama, por exemplo, devem ser lavados com água corrente e em seguida ser secados com toalhas descartáveis. Caso os tetos estiverem limpos, a lavagem não é necessária. O procedimento de jogar água no úbere para a retirada de sujeira não deve ser realizado em hipótese alguma, já que a única coisa à qual se prestará será conduzir água suja até a extremidade dos tetos, o que aumenta a possibilidade de carreamento de microrganismos.
A água utilizada para a lavagem dos tetos deve ser clorada. A intensidade dos jatos de água não deve ser grande, utilizando-se para isso mangueira de baixa pressão.
 Retirada dos primeiros jatos de leite e diagnóstico da mastite
Os jatos iniciais de leite devem ser descartados em uma caneca de fundo preto ou outro recipiente específico, para a finalidade do diagnóstico de mastite clínica. O diagnóstico positivo é confirmado pela presença de grumos sobre o fundo escuro da caneca (Figura 1).
Boas práticas de ordenha - Image 3
Existem casos em que os primeiros jatos são desprezados no chão. Os adeptos desta prática defendem que ela elimina um instrumento a mais a ser manuseado pelo ordenhador, que é a caneca, otimiza o tempo de ordenha e evita a formação de spray quando o leite se choca com o fundo da caneca. Apesar de a mastite clínica poder ser diagnosticada com este procedimento, existem inconvenientes relacionados com a higiene do local de ordenha e também com o gasto em revestimento do piso de borracha de cor escura, para melhorar a visualização dos grumos.
O teste da caneca de fundo preto deve ser realizado em todas as ordenhas, em todos os animais. Além de servir para o diagnóstico da forma clínica da mastite, estimula a descida do leite e retira os primeiros jatos, que apresentam maior concentração de microrganismos.
Outro teste utilizado antes do início da ordenha é o California mastitis test (CMT). Enquanto o teste da caneca de fundo escuro é um método empregado para o diagnóstico da mastite clínica, o CMT é utilizado para o diagnóstico da mastite subclínica; além disso, faz uma estimativa do número de células somáticas do leite oriundo das glândulas mamárias.
O CMT não é o único teste disponível para diagnosticar a mastite subclínica, mas é o mais utilizado, além de ser reconhecido como simples e eficaz. Recomenda-se realizá-lo, no mínimo, uma vez ao mês. Para a sua realização, são necessários o reagente e uma raquete; o primeiro é composto por um detergente e um indicador de pH. O reagente utilizado no CMT atua sobre os leucócitos e outras células presentes no leite, causando o rompimento da parede celular. Este rompimento faz com que seja liberado material genético das células, o qual promove a formação de viscosidade da mistura do leite com o reagente. Quanto maior for a quantidade de células somáticas no leite, tanto maior será a viscosidade da mistura (Figuras 2 e 3).
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pode ser citado como inconveniente do CMT o fato de ser um exame subjetivo. Daí decorre a necessidade de, durante a ordenha, o teste ser realizado pela mesma pessoa, preferencialmente. Além disso, reações falso-positivas podem acontecer em vacas que se encontram nos primeiros dias após o parto e naquelas prestes a entrar no período seco. O estágio de lactação deverá sempre ser considerado quando o leite de todos os quartos mamários das vacas apresentar reação positiva ao mesmo tempo, no momento que entra em contato com o reagente.
Para a realização do CMT, deve-se segurar a raquete sob o úbere do animal e ordenhar os quartos mamários em cada receptáculo da raquete, até a marca que representa aproximadamente 2 mL. Cada receptáculo deve receber o leite de um quarto mamário, tomando-se o cuidado para que o leite de um quarto mamário não se misture ao leite de outro quarto. Imediatamente após esse procedimento, adiciona-se ao leite ordenhado o reagente do CMT, até atingir a segunda marca contida na raquete, também equivalente a 2 mL. A utilização de um dosador para o reagente facilitará a sua colocação sobre a raquete. A mistura de reagente e de leite deve ser homogeneizada com movimentos circulares durante aproximadamente 30seg, após os quais deve-se então verificar o grau de reação, analisando a formação ou não de viscosidade. Existem diferentes maneiras de classificar as reações do teste, porém todas são bastante semelhantes. Na Tabela 2, encontrase uma delas.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
É importante relembrar que o CMT é um teste subjetivo e variações na leitura podem existir entre diferentes pessoas, mesmo quando são utilizados roteiros coloridos que tentam mostrar os diferentes graus de reação.
Anti-sepsia dos tetos antes da ordenha
A anti-sepsia pré-ordenha é recomendada em casos de elevada prevalência de mastite causada por patógenos ambientais. Na maioria das vezes, o procedimento é realizado com produtos à base de cloro, que devem permanecer em contato com os tetos por no mínimo 30seg, o que nem sempre é observado.
Existem várias recomendações, com diferentes concentrações de produtos. Quando é utilizado o hipoclorito de sódio, pode-se usá-lo na concentração de 2% a 10%. No caso desta última, deve-se diluir 15 mL em 10 L de água (Fonseca & Santos, 2000; Domingues & Langoni, 2001).
Um procedimento fundamental após a lavagem dos tetos ou após a anti-sepsia inicial é a secagem com papel toalha descartável. Este cuidado evita a transferência de resíduos para o leite. A falta de secagem ou a secagem incompleta podem ainda proporcionar o deslizamento das teteiras durante a ordenha. Não é indicado o uso de panos ou de papel de jornal.
A ordenha
Quando a obtenção do leite é feita por meio de ordenhadeira mecânica, a colocação das teteiras nas vacas é considerada o momento crucial da ordenha. Caso ela não seja bem feita, pode comprometer todas as etapas posteriores, inclusive a qualidade do leite. O tempo decorrido do momento em que o animal entra na sala de ordenha até a colocação das teteiras deve ser o menor possível. O recomendável é que o tempo entre a estimulação dos tetos até a colocação das unidades de ordenha seja de aproximadamente um minuto, pelo fato de a meia-vida (duração na corrente sangüínea) da oxitocina ser curta (no máximo oito minutos). A concentração sangüínea da oxitocina atinge o pico cerca de um a três minutos após o início da estimulação dos animais.
O registro de vácuo deve ser aberto apenas imediatamente antes da colocação das teteiras no animal, para impedir a entrada de ar no sistema de ordenha e a conseqüente flutuação do nível de vácuo. Esta flutuação no nível de vácuo é prejudicial, já que pode ocorrer o chamado “gradiente de pressão reversa”. A formação desse gradiente faz com que o leite, ao chegar ao copo coletor, siga o sentido contrário ao da sua saída da glândula mamária; isso possibilita a invasão de um ou mais quartos mamários sadios por leite contaminado com microrganismos causadores de mastite e oriundo de um ou mais quartos mamários infectados.
A ordenha deve ser constantemente observada, na tentativa de evitar a queda ou o deslizamento das teteiras, o que também poderá ocasionar o gradiente de pressão reversa. Durante a ordenha, o nível de vácuo do sistema deve ser aferido, para verificar se esse nível se encontra dentro dos limites normais. Estes limites dependem do tipo de equipamento de ordenha, ou seja, se for de linha alta, se possui garrafão central, se for de linha baixa ou se for de balde ao pé.
Periodicamente, o serviço técnico da empresa fabricante do sistema de ordenha deve ser requisitado para avaliar o funcionamento do sistema. O nível pode ser aferido por meio de um mostrador que contenha uma escala de vácuo, localizado na sala de ordenha e denominado vacuômetro (Figura 4). Geralmente, existe ainda outro mostrador, que se localiza próximo ao reservatório de vácuo. Além da umidade nos tetos, a queda ou o deslizamento das teteiras também podem ser acarretados por nível de vácuo reduzido. Como conseqüência, a ordenha se tornará mais lenta, devido ao fluxo de leite mais baixo, e a retirada do leite pode ser incompleta ou irregular, o que pode causar diminuição da produção, aumento de lesões nos tetos e esvaziamento incompleto do úbere, favorecendo o aparecimento de casos de mastite.
Boas práticas de ordenha - Image 8
No copo coletor da unidade de ordenha (Figura 5), poderá haver redução do nível de vácuo nas seguintes situações: · Em vacas com grande fluxo de leite. · Em linhas de leite excessivamente grandes. · Quando o orifício para a entrada de ar no copo coletor estiver fechado, fazendo com que o leite preencha todo o copo e as mangueiras.
Quanto maior for a mangueira longa de leite e quanto menor for o seu diâmetro, tanto maior será a possibilidade de redução do nível de vácuo. Assim, a instalação de uma ordenhadeira mecânica deve ser realizada por técnicos especializados, para evitar problemas de dimensionamento.
O nível de vácuo excessivamente elevado também pode causar conseqüências negativas aos animais. Inicialmente, há o risco de ocorrência de lesões, atingindo a camada de queratina que compõe a face interna dos tetos. Isto pode, conseqüentemente, levar a injúrias da barreira primária de proteção da glândula mamária. Além disso, os tetos podem tornar-se congestos, devido ao acúmulo de sangue nas extremidades, e então haver redução na velocidade de ordenha. Figura 5.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As possíveis causas de injúrias ao esfíncter dos tetos provocadas pelo equipamento de ordenha são: · Ordenha prolongada, especialmente com fluxo de leite menor do que um litro por minuto, causado tanto pela fisiologia do animal como também pela máquina de ordenha com nível de vácuo reduzido ou por rotina de ordenha inadequada. · Funcionamento contínuo das teteiras após o término da saída do leite. · Teteiras gastas ou inadequadas para os animais. · Nível de vácuo excessivamente alto. · Defeitos na pulsação do equipamento de ordenha.
Quando o vácuo estiver muito intenso e as teteiras forem de boca larga, o conjunto de ordenha pode subir em direção ao corpo do animal e causar o estrangulamento da cisterna do teto. A conseqüência é o aumento na quantidade do leite residual no úbere e a necessidade de se forçar o copo coletor para baixo. Esta é uma ação que deve ser evitada.
Assim como a colocação das teteiras deve ser feita com todo o cuidado, a retirada delas também deverá ser cercada de atenção. O registro de vácuo deve ser desligado imediatamente antes da retirada das teteiras.
É controversa a eficácia da higienização das teteiras após a ordenha de cada animal. Nos equipamentos modernos, esta etapa é feita de forma automatizada e é conhecida como retrolavagem. Quando não for feita de forma automatizada, a solução de cloro mais água (com concentração máxima de 150 ppm de cloro ativo, por exemplo) deve ser trocada com freqüência e a imersão das quatro teteiras não deve ser feita ao mesmo tempo (Figura 6), mas sim duas por vez para facilitar o completo mergulho das teteiras na solução e permitir o alcance desta na porção distal dos insufladores contidos no interior das teteiras.
Boas práticas de ordenha - Image 11
Outro cuidado a ser tomado é a troca periódica da solução. O excesso de leite misturado com a água e o cloro faz o anti-séptico perder sua atividade germicida e por isso é possível a sua atuação como via de transmissão de microrganismos causadores de mastite. É preferível que as teteiras sejam mergulhadas primeiro em um balde com água limpa, para remover os resíduos de leite e depois no balde com a solução. Logo depois, deveriam ser mergulhadas em um novo balde com água limpa para reduzir a quantidade dos possíveis resíduos remanescentes. Todo este procedimento nem sempre é possível ser realizado, já que demanda tempo de trabalho na sala de ordenha.
Ainda, nos casos em que a ordenha é mecânica, necessita-se trocar periodicamente as borrachas que entram em contato com o leite, tais como as mangueiras curtas, as mangueiras longas e principalmente as teteiras, as quais, quando gastas e envelhecidas, podem fazer com que os tetos não sejam massageados corretamente, causando congestão e edema com conseqüente aparecimento de lesões. O uso constante de produtos químicos durante a lavagem do sistema provoca pequenas rachaduras nas borrachas e essas rachaduras aumentam progressivamente. Nestas rachaduras alojam-se microrganismos, cuja retirada é difícil, o que, por sua vez, acarreta perda de qualidade do leite.
Anti-sepsia dos tetos depois da ordenha
O uso da higienização dos tetos após a ordenha (Figura 7) é antigo e a sua disseminação, em associação com a terapia da vaca seca e a melhoria das práticas de manejo de ordenha, resultou na redução significativa dos casos de mastite subclínica nos últimos 40 anos. A imersão dos tetos da vaca em um anti-séptico eficaz após cada ordenha é o melhor procedimento para reduzir o número de bactérias que passam de uma vaca a outra e para, dessa maneira, diminuir o número de novos casos de infecções intramamárias por patógenos contagiosos, tais como Staphylococcus aureus e Streptococcus agalactiae.
Um anti-séptico efetivo deverá apresentar determinadas características que demonstrem seus benefícios para o produtor. O germicida deve ter sua atividade antimicrobiana comprovada na pele do teto e deve reduzir a incidência de novos casos de infecções intramamárias ao eliminar as infecções existentes e impedir que outras se instalem. Além disso, a atividade germicida não deve ser afetada pela presença de matéria orgânica representada por leite, fezes ou urina nem deve ser irritante ou tóxica para a pele do teto.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os princípios ativos mais usados são o iodo, o clorexidine, o ácido sulfônico, o cloro, a lauricidina, o ácido lático, os fenóis e o ácido cloroso. Estes produtos são encontrados em diferentes concentrações, isolados ou combinados com outros anti-sépticos. Muitas vezes são utilizados emolientes, para reduzir a irritação que podem causar e para melhorar o condicionamento da pele do teto, tais como a glicerina, a lanolina, o propilenoglicol, o sorbitol e o colágeno, além de óleos vegetais e minerais.
No Brasil, o iodo ocupa a segunda posição no mercado de anti-sépticos para tetos, ficando atrás apenas do cloro. O nível de iodo nos anti-sépticos pode variar entre 500 ppm (0,05%) e 10.000 ppm (1%). Existem mais de 500 formulações de anti-sépticos à base de iodo disponíveis em todo o mundo, cuja composição e cujas propriedades emolientes variam amplamente.
A imersão tem sido a forma preferida na aplicação da grande maioria dos anti-sépticos. Existem três tipos de aplicadores disponíveis para esta finalidade: o tipo cachimbo, o de pressão com retorno e o de pressão sem retorno. Os aplicadores de pressão sem retorno possuem como vantagens menor perda do produto e menor grau de pressão, além de manterem a solução anti-séptica mais limpa. Deve-se aplicar o produto em pelo menos 2/3 da superfície dos tetos.
A seguir são apresentados exemplos de formulações que podem ser usadas na higienização dos tetos após a ordenha: a) Solução de iodo glicerinado · Iodo metálico ..........................15 g · Iodeto de potássio ...................15 g · Glicerina ................................ 500 mL · Água destilada ....................... 4.500 mL b) Solução de Kilolâ–L glicerinado · Kilolâ-L .................................... 10 mL · Glicerina ................................. 200 mL · Água destilada ........................ 2.000 mL c) Solução de ácido lático · Ácido lático .................................... 10 mL · Dietanolamina ................................. 7,5 mL · Veículo q.s.p. ................................. 100 mL.
O frasco original do produto deve ser mantido bem fechado e os copos (aplicadores) de imersão devem ser esvaziados e lavados regularmente. O conteúdo de um copo de imersão não deve ser colocado de volta na embalagem original e nem se deve permitir o congelamento dos anti-sépticos. As etiquetas de tais produtos devem fornecer informações de cada ingrediente ativo, instruções de uso, fabricante, número do lote e data de validade.
Concluída a higienização após a ordenha, o animal é liberado. Porém, os esfíncteres dos tetos ainda não estão completamente fechados e as vacas podem se deitar após a sua liberação, tornando inútil todo o processo de higienização dos tetos. Microrganismos do ambiente, presentes no solo, nas fezes ou na cama, podem tornar o anti-séptico ineficiente e invadir a glândula mamária. Por isso, recomenda-se o oferecimento de alimento aos animais após a ordenha, por um período mínimo de uma hora, até o fechamento do esfíncter, para estimular as vacas a permanecer de pé e evitar a entrada de microrganismos nos esfíncteres ainda não totalmente fechados.
Na Tabela 3, encontram-se exemplos de princípios ativos e de sua respectiva concentração para uso na anti-sepsia anterior e na anti-sepsia posterior à ordenha.
Lavagem e higiene das instalações, dos utensílios e dos equipamentos
O ambiente da ordenha, seja ela manual, seja ela mecânica, deverá estar sem sujeira aparente e higienizado. Os cuidados começam com a escolha do local da instalação; devese evitar lugares baixos e mal drenados. A posição da sala de ordenha deve permitir que a luz do sol incida pela manhã e à tarde, para facilitar a secagem do ambiente. O ideal é que o local seja pavimentado e coberto, para que a ordenha seja realizada livre de poeira e de barro e ao abrigo das chuvas.
O leite que permanece em utensílios e em equipamentos cria excelente oportunidade para o desenvolvimento de microrganismos. De modo a evitar este problema, todos as partes que tenham contato com o leite devem ser muito bem higienizadas, imediatamente após o término da ordenha, primeiramente com enxágüe bem feito, para facilitar a limpeza química. Por fim, o uso de sanitizantes completa o processo da boa higienização.
A eficiência de detergentes e de sanitizantes está na dependência da temperatura da solução e da concentração adotada, influenciadas pela qualidade da água de cada local. Por exemplo, na limpeza automática do equipamento de ordenha mecânica, imediatamente após o término da ordenha deve-se fazer o enxágüe com água morna à temperatura de 35o a 40oC para retirar os resíduos de leite, utilizando o volume necessário para que à saída a água esteja límpida. Esta água não deve ser reutilizada nesse procedimento e o equipamento deve ser totalmente drenado. Salienta-se a importância da temperatura da água neste processo. Caso ela esteja inferior a 35oC, poderá ocorrer a fixação de sujidades nas tubulações; e acima de 45oC, poderá ocorrer o cozimento das proteínas do leite, com a sua fixação nas superfícies.
Após essa etapa, conhecida como “pré-lavagem”, devese circular por dez minutos uma solução com detergente alcalino clorado (recomenda-se a concentração de 130 ppm de cloro e pH mínimo igual a 11) à temperatura inicial de 70oC e à temperatura final mínima, de saída, de 40oC, com posterior drenagem do equipamento. Novamente, as temperaturas são importantes. Por um lado, caso a temperatura final seja inferior a 40oC, o detergente não será eficiente. Por outro lado, se a temperatura inicial for superior a 80oC, haverá maior chance de evaporação do detergente alcalino.
Recomenda-se atualmente a utilização de detergente ácido após o uso do detergente alcalino. Anteriormente, era feita a indicação de lavagem semanal com o produto ácido, mas, em locais onde a água possui quantidade grande de minerais que ocasionam as chamadas “pedras do leite”, deve-se aumentar a periodicidade da aplicação deste tipo de detergente, com temperatura de entrada no sistema de 35o a 45oC e circulação mínima durante dez minutos. O pH da solução inicial deve ser inferior a 3.
O equipamento deve ser sanitizado antes da próxima ordenha, podendo ser utilizada solução com 200 ppm de cloro. Cuidados devem ser tomados com os resíduos.
No caso do tanque de expansão, devem ser realizados os mesmos procedimentos aplicados ao equipamento de ordenha e na mesma seqüência, com o cuidado de que o material utilizado para esfregar o interior do tanque não provoque ranhuras, nas quais pode haver depósito de microrganismos, cuja remoção será trabalhosa.
Existe um quadro de fatores que facilitam ou que dificultam a higienização das linhas de ordenha, incluindo a falta de capacitação de pessoal e de planejamento operacional adequado. Suprimento irregular de produtos de higienização, excesso de improvisação nas instalações de ordenha e falta de tratamento da água são outros problemas evidenciados. Existe premente necessidade de planejamento, desenvolvimento, implantação e implementação de uma política instrucional (palestras, cursos) relacionada à higienização do equipamento de ordenha, por parte das usinas de beneficiamento.
A sanificação dos equipamentos de ordenha é fundamental para a obtenção de leite de boa qualidade. A tecnologia empregada na higienização dos equipamentos de ordenha deve ser aplicada em parceria entre as empresas captadoras de leite e os estabelecimentos produtores. Deveria haver urgência na abordagem de problemas fundamentais, como capacitação do pessoal que opera a limpeza, melhoria na gestão do processo e escolha adequada de detergentes e de sanificantes, além da correta calibração dos equipamentos.
Filtração e refrigeração do leite
O leite obtido deve ser coado em recipiente apropriado de aço inoxidável, de náilon, de alumínio ou de plástico atóxico. No caso dos sistemas de ordenha mecânicos, o filtro deve ser periodicamente trocado.
A refrigeração imediata do leite é um dos requerimentos contidos na Instrução Normativa no 51 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; isso, no entanto, requer investimentos. Quando se analisa o ponto de vista sanitário, o resfriamento do leite influencia diretamente a qualidade do produto, por favorecer o controle dos microrganismos mesófilos, cuja temperatura ótima de multiplicação ocorre entre 25oC e 40oC. Estes microrganismos correspondem à grande maioria daqueles que têm importância em alimentos, inclusive à maior parte dos patógenos de interesse, além de serem os maiores responsáveis pela acidificação do leite e pelos conseqüentes prejuízos à indústria beneficiadora.
O regulamento técnico de coleta de leite cru refrigerado e seu transporte a granel constante da Instrução Normativa no 51 fixa as condições sob as quais este tipo de leite deve ser coletado na propriedade rural e transportado. Os objetivos são promover a redução geral de custos de obtenção do leite e conservar a sua qualidade até a recepção em estabelecimento submetido à inspeção sanitária oficial.
O processo de coleta de leite cru refrigerado a granel consiste em recolher o leite em caminhões com tanques isotérmicos - construídos internamente com aço inoxidável -, por meio de mangueiras flexíveis e bomba sanitária. Este leite vai diretamente do tanque de refrigeração por expansão direta até o tanque localizado no caminhão. São requisitos deste processo a existência de local próprio e específico para a instalação do tanque de refrigeração e para a armazenagem do leite. Esse tanque deve ser mantido sob condições adequadas de higiene. Deve ainda: · Ter cobertura. · O ambiente em que se encontra deve ser arejado. · O ambiente em que se encontra deve ser pavimentado e de fácil acesso ao veículo coletor. · Preferentemente ser isolado por paredes. · Possuir iluminação natural e artificial adequadas. · Possuir ponto de água corrente de boa qualidade com tanque para a lavagem de latões (quando utilizados) e dos utensílios de coleta, que devem ser reunidos sobre uma bancada de apoio às operações de coleta de amostras para verificação da qualidade.
É extremamente importante a manutenção do leite em temperatura baixa após a ordenha e também em toda a seqüência da cadeia produtiva, ainda mais porque o Brasil é um país de clima quente. O ideal é que o leite atinja a temperatura de 4°C no tempo máximo de três horas após o término da ordenha.
No entanto, a partir do momento em que se adquire o hábito de resfriar o leite após a ordenha e de mantê-lo em baixas temperaturas, há maior possibilidade de desenvolvimento de microrganismos psicrotróficos, aqueles com a capacidade de desenvolvimento entre 0oC e 7oC. Tais microrganismos podem ser encontrados na superfície dos tetos e das mãos, na água e nos equipamentos e podem ser responsáveis por alterações lácteas, devido a enzimas por eles produzidas, que não são inativadas pelo processo de pasteurização. Os dois grupos de enzimas de maior importância são as proteases e as lipases, que atuam nas micelas de caseína e nos glóbulos de gordura do leite. Estas alterações envolvem mudanças de sabor e de odor, devido à ação proteolítica e à ação lipolítica das enzimas.
Os tetos dos animais podem constituir importante fonte de contaminação de organismos psicrotróficos, tanto em animais com CMT positivo como naqueles com CMT negativo. A higienização dos tetos, entretanto, pode reduzir esta contaminação. Latões, tanques de expansão, tetos mal higienizados e água residual nos equipamentos e nos utensílios de ordenha, além dos equipamentos utilizados na pasteurização, podem ser os principais pontos de contaminação do leite por microrganismos psicrotróficos na cadeia de produção. As mangueiras também podem ser importante fonte de microrganismos para o leite refrigerado. Quando são utilizados latões na ordenha, este é o principal ponto de contaminação do leite e quando o sistema de ordenha é em circuito fechado, os tanques de expansão assumem este posto.
A refrigeração do leite a 4oC tem tanto maior eficiência quanto menor for a contaminação do leite por microrganismos psicrotróficos, uma vez que esta temperatura não é capaz de controlar o crescimento deles. Desta maneira, os microrganismos indicadores ideais para a avaliação da qualidade microbiológica de leite refrigerado são os microrganismos psicrotróficos (Pseudomonas spp., por exemplo). A utilização da contagem de bactérias mesófilas quando não há boas práticas implantadas pode subestimar o número real de microrganismos presentes no leite. Além disso, a contaminação do leite por microrganismos psicrotróficos não depende do sistema de produção ou do tipo de ordenha utilizado, mas de boas práticas aplicadas em todo o processo de produção leiteira e que se tornam importantes, pois algumas destas bactérias são reconhecidamente patogênicas aos consumidores.
A ordenha manual
Os cuidados relacionados com a higiene durante a obtenção do leite mediante a ordenha manual são os mesmos que os recomendados para a ordenha mecânica. Na retirada manual do leite, assim como em alguns casos de animais ordenhados mecanicamente, a ordenha pode ser feita com o bezerro ao pé ou sem o bezerro ao pé. No primeiro caso, que acontece normalmente quando a retirada do leite é feita de animais mestiços, os bezerros devem ser colocados em bezerreiros e, imediatamente antes da ordenha, vão para junto da vaca para estimular a descida do leite.
Cuidados como local da retirada do leite e com a higienização dos utensílios e do ordenhador foram mencionados anteriormente. No processo manual, cuidados especiais devem ser prestados antes do início da ordenha às mãos e aos ante-braços do ordenhador, que devem estar rigorosamente lavados. A seqüência de ordenha é a mesma que a da ordenha mecânica e as vacas devem ser ordenhadas, de preferência, em local apropriado e com a devida contenção.
Atenção especial deve ser dispensada para o balde em que o leite será colocado, para evitar a caída de água suja enquanto é feita a lavagem dos tetos, quando necessária. A ordenha deverá ser feita imediatamente após a preparação do animal para aproveitar melhor a descida do leite. Deve-se ordenhar os tetos de modo cruzado: uma mão pega o teto anterior direito e a outra o teto posterior esquerdo, enquanto, em seguida, uma mão pega o teto anterior esquerdo e a outra o posterior direito. Os dedos deverão envolver todo o teto e a pressão deve ser feita de cima para baixo, com movimentos uniformes e sem puxar. Deve-se esgotar o úbere de maneira completa.
Assim como na ordenha mecânica, o leite deve ser resfriado da maneira mais rápida possível a 4oC, após a ordenha. Existem dois tipos básicos de resfriadores, representados pelo tanque de expansão (recomendado) e pelo tanque de imersão, que é usado para resfriar o leite em latões. Neste último caso, a temperatura da água deverá ser de 1oC e a área do resfriador deverá ser ocupada no máximo em 70% de sua capacidade. Outro cuidado necessário é a altura da água dentro do resfriador, que deverá ser igual à altura do leite dentro do latão. A água do resfriador deverá ser substituída quando apresentar sujeira ou alteração de cor.
Os latões dentro do resfriador deverão estar tampados e o leite deve ser mexido com um agitador próprio e limpo, de meia em meia hora, com movimentos de “sobe” e “desce”. Após a coleta do leite, os latões devem ser higienizados imediatamente.
Considerações finais
Boas práticas de ordenha estão relacionadas com matéria-prima adequada ao consumo e com redução da possibilidade de transmissão de agentes infecciosos responsáveis pela mastite bovina.
Apesar de o resfriamento do produto reduzir a velocidade de crescimento de microrganismos mesófilos, o crescimento da população de microrganismos psicrotróficos pode diminuir a qualidade do produto final ao limitar o seu tempo de prateleira, assim como pode apresentar riscos de intoxicação à população consumidora do produto. As medidas de higiene durante a ordenha, além de combater estes microrganismos, também são eficazes para combater microrganismos envolvidos em casos de mastite, de modo que elas favorecem o perfeito equilíbrio da tríade epidemiológica representada pelo ambiente, pelo animal e pelos agentes etiológicos infecciosos.
O leite pode ser um veículo de transmissão de microrganismos causadores de várias doenças aos seres humanos. As doenças provocadas por microrganismos que se multiplicam no leite e que são responsáveis por intoxicações e infecções alimentares podem ser evitadas, desde que sejam seguidas boas práticas de higiene durante a ordenha e no ambiente da ordenha. O controle dos produtos ainda na linha de produção é fundamental para que a indústria produza alimentos controlados, não fraudados e de boa qualidade, que sejam uma referência ao consumidor.
Ao mesmo tempo, a condição higiênico-sanitária da obtenção do leite pode possibilitar retorno financeiro ao produtor, pela qualidade com que é fornecido. O processo de transição da pecuária leiteira brasileira, partindo da necessidade de investimento em tecnologia de produção e, ao mesmo tempo, de redução de custos, obrigou produtores a medir sua produtividade. Após ultrapassado este obstáculo, o próximo a ser superado é a necessidade de incrementar os aspectos de produção relacionados com a obtenção de matériaprima de boa qualidade, questão esta ainda de maior relevância em um momento em que o potencial exportador de produtos lácteos apresenta superávit comercial. Com o passar do tempo, as indústrias brasileiras necessitarão investir no treinamento de produtores em boas práticas de fabricação.
A estratégia das indústrias para a obtenção de leite de elevada qualidade passa necessariamente pelo treinamento intensivo de todos os agentes envolvidos, especialmente aqueles relacionados com a obtenção da matéria-prima. Treinamento intensivo não significa que leite com boa qualidade será obtido da noite para o dia, de maneira rápida, mas o envolvimento e o empenho dos vários setores da cadeia láctea brasileira levará à transformação que poderá ser lenta e gradual e será extremamente útil a todos os segmentos.
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Autores:
Luiz Francisco Zafalon
Embrapa
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claudia Rodrigues Pozzi
IZ - Instituto de Zootecnia / Secretaria de Agricultura e Abastecimento
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Marcos Goulart Pereira
4 de enero de 2012
Aos Autores Parabens pelo trabalho, muito didático a apresentação. Por gentileza, qual o procedimento que tem indicado para higienização e sanitização do tanque de resfriamento, pois na grande parte das propriedades os procedimentos são manuais e geralmente são somente higienizados. Não recebendo a sanitização. Observei que algumas propriedades deixam o tanque aberto, tanto a tampa quanto a valvula para secarem e antes da ordenha passam agua com a mangueira, e geralmente esta agua não é clorada. Obrigado.
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