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Pesquisa avalia resíduos de praguicidas em leite pernambucano

Publicado: 28 de novembro de 2008
Por: Fagnani, Rafael - 2008 / Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Universidade Estadual de Londrina. 2008.
“Produção de Leite com Qualidade e Segurança a partir da implantação de Boas Práticas na Produção Leiteira na Região do Recife, Pernambuco”
Esse é o nome do projeto coordenado pela Profa Dra Vanerli Beloti da Universidade Estadual de Londrina e financiado pela FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), que durante quatro anos (2004-2008) estudou e viabilizou soluções para a melhoria da qualidade do leite produzido em Pernambuco.
 
Pesquisa avalia resíduos de praguicidas em leite pernambucano - Image 1
Foto: Ana P. P. Battaglini
 
Além de analisar a qualidade microbiológica do leite de Pernambuco e propor soluções viáveis para os problemas encontrados pelos produtores de leite, o projeto do LIPOA - UEL (Lab. de Inspeção de Produtos de Origem Animal) avaliou também resíduos de praguicidas no leite e na alimentação animal da região do agreste.
Praguicidas são substâncias usadas na prevenção e no controle de pragas agrícolas, como exemplo os herbicidas, fungicidas e ectoparasiticidas. Atualmente os mais utilizados são do grupo dos organofosforados (OF) e carbamatos (CB). Quando usados de forma inadequada os praguicidas podem contaminar cursos de água e gerar resíduos em produtos agrícolas. Animais que ingerem água ou alimentos contendo essas substâncias podem depositá-las na gordura e músculos, podendo ser encontradas também no leite.
Os praguicidas também são tóxicos para o ser humano. Uma intoxicação aguda pode levar a convulsões e até a morte por parada respiratória. Já a exposição por longos períodos pode ser relacionada ao câncer, infertilidade e alterações comportamentais e funcionais.
Considerando os efeitos prejudiciais para a saúde humana e animal, causados por resíduos de praguicidas em alimentos, o objetivo da pesquisa foi identificar e quantificar a presença de resíduos de OF e CB no leite cru, nos componentes da alimentação e água dos animais, e ainda, estimar a ingestão diária provável desses resíduos pelos consumidores.
Em agosto de 2007, em Águas Belas, Bom Conselho e São Bento do Una, foram coletadas amostras de leite de 28 propriedades e de dois resfriadores comunitários do agreste pernambucano, além de 38 amostras de água e de 109 amostras da alimentação animal. A quantificação de OF e CB nas amostras foi realizada por Cromatografia Gasosa (CG). Nas propriedades onde as amostras de leite apresentaram resíduos, a água e  todos os componentes da alimentação animal foram analisados por CG.
 
Regiões geográficas de Pernambuco e municípios do Agreste onde foram coletadas as amostras. A - Região Metropolitana do Recife; B - Zona da Mata; C - Agreste; D - Sertão; E - Vale do São Francisco.
Pesquisa avalia resíduos de praguicidas em leite pernambucano - Image 2
 
Das 30 amostras de leite analisadas, 12 (40%) apresentaram resíduos, sendo seis (20%) positivas para OF, cinco (16,7%) para CB e uma (3,32%) para ambos praguicidas. Os princípios dos praguicidas detectados no leite e suas respectivas médias em ng/ml foram: 0,04 para coumafós, 0,01 para dimetoato, 0,06 para fention, 0,02 para malation, 0,02 para aldicarb, 0,02 para carbaril e 0,01 para carbofuran.
A legislação brasileira não estabelece limites para praguicidas organofosforados no leite. Os resíduos quantificados se encontram abaixo dos Limites Máximos de Resíduos (LMR) estabelecidos pelo Codex Alimentarius para leite de vaca, que para dimetoato, carbaril e carbofuran é de 50 ng/ml, para fention e coumafós é de 500 ng/ml e de 10 ng/ml para aldicarb. Para princípios com LMR ainda não estabelecido, como é o caso do malation, utilizou-se como parâmetro o limite determinado pela União Européia de 10 ng/ml.
 
Frequência de resíduos em 30 amostras de leite cru coletadas no agreste pernambucano em agosto de 2007.
Pesquisa avalia resíduos de praguicidas em leite pernambucano - Image 3
 
Apesar dos resultados encontrados estarem dentro dos limites estabelecidos pelo Codex Alimentarius, é necessário considerar que outros alimentos também são passíveis de conter resíduos de OF e CB, e a somatória desses pode ultrapassar os parâmetros toxicológicos considerados seguros.
Das 109 amostras da alimentação animal e das 28 amostras de água coletadas, 48 amostras de alimentação e 16 amostras de água foram analisadas pela CG, provenientes de 11 propriedades que apresentaram resíduos no leite.
Das 48 amostras de alimentação analisadas, 22 (45,83%) apresentaram resíduos, sendo 15 (31,25%) positivas para OF, seis (12,50%) para CB e uma (2,08%) para ambos praguicidas. Para as amostras de água, seis (37,50%) apresentaram resíduos para OF e nenhuma amostra apresentou resíduos para CB.
Em quatro propriedades foram detectados resíduos no leite com o mesmo princípio ativo detectado na água e/ou alimentação animal, sugerindo transferência pela alimentação.
Também foi feita uma avaliação de risco da ingestão destes praguicidas, que é a comparação entre a provável quantidade consumida de um determinado composto e um parâmetro toxicologicamente seguro.
Nesse caso então, a Ingestão Diária Provável Média (IDPm) dos praguicidas encontrados no leite foi comparada com a Ingestão Diária Aceitável (IDA), que é um parâmetro toxicológico de segurança, e representa a quantidade de uma substância que pode ser ingerida diariamente, por toda a vida, sem que ocorra risco ao consumidor. A IDA é determinda pelo International Programme on Chemical Safety (IPCS).
A IDPm foi calculada para diferentes faixas etárias, desde crianças de um ano até adultos. A IDPm foi baseada no consumo per capta de leite em Pernambuco, no Brasil e também de acordo com o consumo diário recomendado (600 mL) pelo Ministério da Saúde. A IDPm para os três parâmetros de consumo ficou abaixo da IDA estabelecida para resíduos encontrados, em todas as faixas etárias. Segundo as médias de contaminação encontradas, para uma criança de um ano pesando pouco mais de 10 kg, estar exposta ao risco de intoxicação, bebendo apenas leite, ela teria que ingerir mais que 12,5 Litros de leite por dia.
Nessa pesquisa, apesar de não haver risco para nenhuma faixa etária, devemos considerar a ingestão de praguicidas por outros alimentos presentes na dieta humana. Vários estudos relatam a presença de resíduos de organofosforados e carbamatos em frutas, vegetais, grãos e cereais. Além disso, o risco para o consumidor aumenta quando há a ingestão de mais de um princípio ativo, constatado em duas amostras de leite, com a detecção e quantificação de até três princípios ativos simultaneamente. A interação entre diferentes praguicidas pode gerar maiores danos no organismo quando comparada com a ingestão de apenas uma substância.
A contaminação encontrada no leite analisado é preocupante, especialmente para as crianças, que não apresentam desenvolvimento completo do sistema de defesa. Além disso, consomem uma variedade menor de alimentos e possuem a taxa de ingestão por peso corpóreo proporcionalmente maior que os adultos.
A grande quantidade de amostras de água e de alimentação animal contaminadas por resíduos de OF e CB e os níveis de quantificação desses resíduos encontrados em grande parte das amostras de leite são dados preocupantes e apontam para a implantação de um sistema de vigilância toxicológica no Brasil, para monitoramento de resíduos em alimentos de consumo animal e humano, diminuindo os riscos ao consumidor pela exposição aos praguicidas.
Os resultados também mostram que a contaminação ambiental pode ser igualmente preocupante, devido ao grande número de amostras de águas de açudes, represas e córregos apresentarem resíduos de OF. Mesmo sofrendo efeitos de diluição e degradação, os praguicidas estavam em níveis suficientes para serem detectados, sugerindo altas concentrações. A conscientização do produtor quanto ao uso seguro de praguicidas e quanto ao descarte adequado de suas embalagens é necessária para minimizar o impacto desses resíduos no meio ambiente.
Quanto maior o número de pesquisas no Brasil sobre contaminação química em alimentos e sobre avaliações de risco, mais reais e confiáveis serão os dados originados, contribuindo para refinar e atualizar programas governamentais de prevenção e controle de resíduos no país.
 
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Autores:
Rafael Fagnani
Universidade Estadual de Londrina
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