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Ocorrência de Bacillus cereus em Leite Comercializado nos Estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo

Publicado: 8 de outubro de 2013
Por: Maike Taís Maziero Montanhini, Programa de Pós Graduação em Engenharia de Alimentos, Universidade Federal do Paraná -UFPR-, PR; José Paes de Almeida Nogueira Pinto, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia de Botucatu, Universidade Estadual Paulista -UNESP-, SP, e Luciano dos Santos Bersot, Unidade de Estudos em Alimentos, Universidade Federal do Paraná -UFPR-, PR.
Sumário

Bacillus cereus é uma bactéria que desperta grande preocupação do setor laticinista. A combinação das características termodúrica e psicrotrófica denota seu grande potencial deteriorante, além do perigo que representa à saúde pública por ser bactéria patogênica. A presença de foi avaliada em 260 amostras, sendo 100 de leite pasteurizado, 110 de leite ultra high temperature (UHT) e 50 de leite em pó, pelo método quantitativo (plaqueamento direto) e pelo método qualitativo (enriquecimento seletivo). Das amostras de leite pasteurizado avaliadas pelo método quantitativo, 19% foram positivas para , com média de 1,25 (±0,27) log unidades formadoras de colônias (UFC)/ml. Para o leite em pó, 16% das amostras foram positivas, com média de 2,00 (±0,36) log UFC/g. O leite UHT não apresentou resultados dentro do limite de detecção do método de plaqueamento direto (>10 UFC/ml) para nenhuma das amostras avaliadas. Pelo método qualitativo 24% das amostras de leite pasteurizado, 34% de leite em pó e 16,4% de leite UHT foi positiva para . Para as amostras de leite pasteurizado e leite em pó não houve diferença significativa (P>0,05) na positividade entre os métodos quantitativo e qualitativo. Os resultados do presente trabalho ressaltam que, mesmo em pequenas quantidades, está presente não apenas em leite pasteurizado, mas também em produtos lácteos processados a altas temperaturas (leite UHT) e desidratados (leite em pó).

Palavras-chave: Bacillus. Laticínios. Contaminação de Alimentos.

Introdução
Bacillus cereus é uma bactéria ambiental, gram-positiva e formadora de esporos. Sua temperatura ótima para multiplicação varia de 25 a 37 ºC, mas existem espécies capazes de se multiplicar entre 3 e 75 ºC. A bactéria é responsável por dois tipos de doenças de origem alimentar: a infecção chamada de síndrome diarréica, provocada por uma enterotoxina produzida in vivo, ou seja, produzida no intestino do hospedeiro; e a síndrome emética, intoxicação atribuída à toxina pré-formada no alimento.
A ocorrência de já foi relatada em leite in natura, pasteurizado, leite ultra high temperature (UHT), leite em pó, leites fermentados, sorvetes e outros derivados lácteos em diversos países.
B. cereus é considerado um micro-organismo termodúrico, uma vez que seus esporos podem sobreviver aos processamentos térmicos utilizados na indústria de alimentos. Além disso, algumas linhagens são caracterizadas como psicrotróficas, ou seja, capazes de se multiplicar em temperatura de refrigeração. A combinação das características termodúrica e psicrotrófica em espécie microbiana denota seu grande potencial deteriorante.
B. cereus geralmente sintetiza uma variedade de enzimas, entre elas, as proteases e lipases. Estas enzimas são responsáveis pelo desenvolvimento de atributos sensoriais indesejáveis em produtos lácteos. As proteases podem causar geleificação e provocar a formação de sabor amargo em leite UHT e diminuição na solubilidade de leite em pó, além de queda no rendimento na fabricação de queijos. As lipases atuam sobre os ácidos graxos do leite, causando off flavor em leite pasteurizado, UHT, leite em pó e queijos.
Não existe na legislação brasileira um regulamento específico para B. cereus em leite e nos derivados lácteos, com exceção para o leite em pó, em que é estabelecido o limite de 5,0 x103 unidades formadoras de colônias (UFC)/g.
O presente trabalho teve por objetivo avaliar a ocorrência de B. cereus em leite pasteurizado, leite UHT e leite em pó de variadas marcas comerciais disponíveis no mercado nacional por meio de duas metodologias: uma quantitativa (plaqueamento direto) e outra qualitativa (enriquecimento seletivo).
 
Material e Métodos
Entre março e dezembro de 2010 foram avaliadas 110 amostras de 19 marcas diferentes de leite UHT, 100 amostras de 18 marcas de leite pasteurizado e 50 amostras de 16 marcas de leite em pó, coletadas no comércio dos Estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo, totalizando 260 amostras disponíveis no mercado nacional, dentro do prazo de validade.
As amostras de leite pasteurizado foram mantidas a 4 ºC até o momento das análises. As amostras de leite em pó foram mantidas em temperatura ambiente e as amostras de leite UHT foram incubadas a 35 ºC por 7 dias antes da execução das análises, conforme recomendação da Portaria 146.
Foram utilizadas duas metodologias para a avaliação de B. cereus, sendo uma quantitativa (plaqueamento direto) e outra qualitativa (enriquecimento seletivo). A avaliação quantitativa de B. cereus foi realizada por plaqueamento seletivo em ágar manitol-gema de ovo-polimixina B (MYP). Após incubação a 30 ºC por 18-40 horas, as colônias características de B. cereus foram submetidas à identificação bioquímica.
Para a avaliação qualitativa de B. cereus, foi realizado o enriquecimento seletivo em caldo de soja triptona (TSB) adicionado de polimixina B, seguido de incubação a 30 ºC por 24-30 horas. O plaqueamento seletivo foi feito em agar manitol-gema de ovo-polimixina B (MYP). Após incubação a 30 ºC por 18-40 horas, as colônias características de B. cereus foram submetidas à identificação bioquímica.
A presença de B. cereus foi confirmada quando a cultura apresentou resultado positivo na prova de utilização anaeróbica da glucose, positivo na decomposição da tirosina, positivo na prova de Voges-Proskauer, positivo na redução do nitrato a nitrito e positivo na resistência à lisozima.
As frequências de positividade para a avaliação qualitativa de B. cereus, entre os diferentes produtos e métodos analíticos, foram comparadas por meio de teste de hipótese para diferenças entre proporções de vários grupos, com aplicação de Teste de Qui-Quadrado exato de Fisher. Os dados da avaliação quantitativa de B. cereus foram comparados pelo teste T de Student, uma vez que apresentaram distribuição normalizada (Teste de Shapiro-Wilk) e grupos homocedásticos (Teste de Bartlett). Todas as avaliações foram feitas com 95% de confiabilidade, utilizando-se o programa estatístico "Statistica versão 8.0".
 
Resultados e Discussão
Das amostras de leite pasteurizado avaliadas pelo método quantitativo, 19% foram positivas para , com contagens entre 1,00 e 1,74 log UFC/ml. Para o leite em pó, 16% das amostras foram positivas, com contagens variando de 1,70 a 2,60 log UFC/g. O leite UHT não apresentou resultados dentro do limite de detecção do método (>1 log UFC/ml) para nenhuma das amostras avaliadas (Tabela 1).
 
Tabela 1: Resultados de contagem de pelo método quantitativo em 260 amostras de leite pasteurizado, leite em pó e leite UHT
Ocorrência de Bacillus cereus em Leite Comercializado nos Estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo - Image 1
 
Comparando-se os resultados, foi observado que o leite em pó apresentou maior contaminação por (P<0,05) do que leite pasteurizado. Os resultados foram de 2,00 (±0,36) log UFC/g para leite em pó e 1,25 (±0,27) log UFC/ml para leite pasteurizado (Tabela 1).
Os resultados encontrados no presente trabalho foram menores que os relatados por Larsen e Jorgensen10, que encontraram 56% das amostras de leite pasteurizado contaminadas por B. cereus, sendo que 45% destas apresentaram contagens superiores a 3,00 log UFC/ml.
Pelo teste qualitativo, 24% das amostras de leite pasteurizado, 34% de leite em pó e 16,4% de leite UHT foram positivas para B. cereus (Tabela 2). Em Ribeirão Preto- SP, Rezende-Lago et al. encontraram, utilizando a mesma técnica, 96,7% das amostras de leite pasteurizado, 73,3% de leite em pó e 13,3% de leite UHT contaminado por B. cereus. Vidal-Martins et al. constataram a presença dessa bactéria em 11,8% de amostras de leite UHT comercializadas em São José do Rio Preto-SP.
 
Tabela 2: Resultados da pesquisa de B. cereus pelo método qualitativo em 260 amostras de leite pasteurizado, leite em pó e leite UHT
Ocorrência de Bacillus cereus em Leite Comercializado nos Estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo - Image 2
 
Para as amostras de leite pasteurizado e leite em pó não houve diferença significativa (P>0,05) na positividade entre os métodos quantitativo e qualitativo (Tabela 3). Para as amostras de leite UHT, B. cereus foi isolado somente pelo método qualitativo (enriquecimento seletivo), indicando que este micro-organismo está presente em pequenas quantidades, abaixo do limite de detecção método quantitativo (>10 UFC/ ml).
O método qualitativo é indicado para amostras processadas termicamente, nas quais as contagens bacterianas são baixas, muitas vezes abaixo do limite de detecção do método quantitativo.
 
Tabela 3: Resultados das 260 amostras de leite pasteurizado, leite em pó e leite UHT positivas para B. cereus pelos métodos quantitativo e qualitativo
Ocorrência de Bacillus cereus em Leite Comercializado nos Estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo - Image 3
 
As amostras de leite em pó foram as que apresentaram maior positividade, seguida pela positividade nas amostras de leite pasteurizado. A baixa atividade de água do leite em pó garante sua estabilidade, no entanto, quando reconstituído e armazenado em condições inadequadas, pode representar um risco potencial à saúde do consumidor, uma vez que os esporos presentes podem passar para a forma vegetativa.
A presença de B. cereus em produtos lácteos pode indicar alta contagem de esporos no leite cru, tratamento térmico (tempo/temperatura) insuficiente para a inativação dos esporos ou contaminação pós-processamento.
Os esporos de B. cereus germinam após o tratamento térmico do leite. A temperatura ótima de ativação é de 65 a 75 ºC, ou seja, a faixa de temperatura utilizada na pasteurização do leite. Cerca de 95% dos esporos podem ser ativados pela pasteurização. A germinação de esporos de B. cereus psicrotróficos pode ocorrer a 7 ºC, o que pode ser considerado um problema para produtos lácteos.
A contaminação por B. cereus em leite pasteurizado pode aumentar significativamente durante a estocagem. Larsen e Jorgensen encontraram baixos níveis de contaminação (<10 a 102 UFC/ml) em duas de 27 amostras de leite recémpasteurizado, no entanto, após 8 dias a 7 ºC, as contagens ultrapassaram 105 UFC/ml e 24 das 27 amostras estavam contaminadas. Este é um fato importante a ser considerado, pois a positividade pode ser maior ou menor em uma amostragem dependendo do período do prazo de validade das amostras.
A presença de B. cereus em produtos lácteos deve ser considerada um problema para a indústria e para o consumidor, devido ao seu potencial deteriorante e patogênico. Os resultados do presente trabalho ressaltam que, mesmo em pequenas quantidades, B. cereus está presente não apenas em leite pasteurizado, mas também em produtos lácteos processados a altas temperaturas (leite UHT) e desidratados (leite em pó).
 
Conclusão
B. cereus foi detectado em leite pasteurizado, leite UHT e leite em pó. A técnica de enriquecimento seletivo possibilitou a detecção deste micro-organismo em amostras que não apresentaram contagem pelo método de plaqueamento direto, indicando que a contaminação está abaixo dos limites de detecção do método. No entanto, mesmo estando presente em baixos níveis, é imperativo o monitoramento de B. cereus em produtos lácteos devido ao seu grande potencial deteriorante e patogênico.
 
Agradecimento
Agradecemos ao CNPq pelo apoio financeiro obtido através do Edital Universal 14/2009 Processo 471703/2009-5.
 
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***O Trabalho foi originalmente publicado UNOPAR Cient Ciênc Biol Saúde 2012;14(3):155-8.
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Autores:
Maike Maziero
Universidade Federal do Paraná - UFPR
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