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surto aflatoxina suínos

Surto de aflatoxina em suínos no Estado do Rio Grande do Sul

Publicado: 17 de fevereiro de 2012
Por: Priscila Zlotowski, André Mendes Ribeiro Corrêa, Daniela Bernadete Rozza, David Driemeier*, Prof. Mallmann e Flauri Ademir Migliavacca
Sumário

Descreve-se um surto de aflatoxicose ocorrido no outono de 2004, em uma granja de suínos, no município de Sentinela do Sul, RS. O milho utilizado no arraçoamento dos animais e que causou a intoxicação, foi produzido e processado na propriedade. Morreram 7 porcas e 8 leitões, e foram relatados dois casos de aborto. Os sinais clínicos foram apatia, anorexia, icterícia, urina amarelada com sangue e fotossensibilização. A gama-glutamil transferase (GGT) e a bilirrubina total mostraramse elevadas nos animais necropsiados. Os principais achados de necropsia incluíam icterícia generalizada, fígado amareloalaranjado, edema de parede da vesícula biliar e presença de líquido amarelado nas cavidades abdominal e pericárdica. As lesões microscópicas mais importantes foram encontradas no fígado e consistiam em tumefação, degeneração e necrose individual de hepatócitos, proliferação de ductos biliares e colestase. O diagnóstico foi baseado nos sinais clínicos, nos achados de necropsia e de histopatologia e nos níveis altos de aflatoxina B1 (milho 3140ppb, ração 4670ppb) encontrados no milho e na ração. 

TERMOS DE INDEXAÇÃO: Micotoxinas, aflatoxicose, suínos,hepatotoxicose, patologia.

INTRODUÇÃO
Aflatoxinas são metabólitos fúngicos produzidos por linhagens de Aspergillus flavus var. parasiticus que possuem toxicidade variada e propriedades carcinogênicas (Miller 1981). O metabólito mais importante é a aflatoxina B1, devido a sua elevada hepatotoxicidade e maiores concentrações nos substratos. As aflatoxinas são comumente encontradas em diversos alimentos utilizados para animais de produção, principalmente em grãos (Mallmann et al. 1994). Aflatoxicose tem sido associada ao consumo de milho, sorgo, amendoim e pão mofado contaminados por aflatoxina (Cook et al. 1989). As condições para formação de aflatoxinas são muito variadas. A temperatura é um dos principais fatores envolvidos nesse processo e, em grãos, a faixa viável para a sua produção situa-se entre 11 e 37ºC. Os fungos toxigênicos podem infectar os cultivos em crescimento, em conseqüência de danos causados por insetos e outros agentes e produzir toxinas antes da colheita, durante essa e após seu armazenamento (Mallmann et al. 1994). Períodos de seca durante o cultivo do milho também são apontados como predisponentes a produção de aflatoxinas (Coppock et al. 1989).
O quadro clínico da aflatoxicose está diretamente relacionado ao grau de contaminação do produto, tempo e quantidade de ração contaminada ingerida pelo animal e seu estado nutricional (Miller et al. 1982, Diekman & Green, 1992, Mallmann et al. 1994, Osweiler 1999). São relatados atraso no crescimento, carcinogênese, imunossupressão, teratogênese e hepatopatias agudas, subagudas e crônicas (Schoenau et al. 1994). Suínos e caninos são as espécies mais sensíveis, sendo normalmente animais jovens os mais afetados pela aflatoxicose (Mallmann et al. 1994). Na suinocultura, a aflatoxicose subclínica é responsável por desempenho produtivo baixo e também pela ocorrência de doenças oportunistas associadas com imunossupressão, levando a grandes prejuízos econômicos. (Mallmann et al. 1994). Perdas econômicas consideráveis, por baixo desempenho e imunossupressão, são observadas também na circovirose (Segalés et al. 2004). Em ambos os casos não há um tratamento específico (Osweiler 1999, Segalés et al. 2004).  Para a aflatoxicose, práticas de manejo relacionadas à conservação e armazenamento do milho devem ser adotadas e são eficazes na sua prevenção (Osweiler 1999). 
O presente trabalho descreve o quadro clínico-patológico observado em um surto de aflatoxicose, ocorrido em maio de 2004, em um rebanho suíno no município de Sentinela do Sul, RS. 
MATERIAL E MÉTODOS
Sinais clínicos e dado s epidemiológicos foram coletados junto ao proprietário e médico veterinário responsável. Foram necropsiados quatro animais na propriedade, um leitão e três porcas, duas com morte natural e os outros dois foram sacrificados em estado terminal. 
Durante a necropsia fragmentos das vísceras foram coletados, fixados em formalina 10%, processados rotineiramente para a histopatologia (Prophet et al.1992) e corados por hematoxilina e eosina (HE) (Allen 1992). Nos cortes histológicos de linfonodo e pulmão foram realizadas análises imunoistoquímicas para circovirose suína, com anticorpo policlonal, na diluição de 1:1000, pela técnica streptavidina biotina, com DAB como cromógeno.
Amostras de sangue de uma das porcas e do leitão necropsiados, de um leitão apático e de dois leitões escolhidos aleatoriamente no rebanho, foram coletadas para a dosagem de gama-glutamil transferase (GGT)5 e bilirrubina total5. A gama-glutamil transferase foi determinada pelo teste cinético Szasz modificado (Szasz 1969) e a bilirrubina total pelo método Sims-Horn (Sims & Horn 1958). O milho moído, usado para a formulação da ração, e a mistura final da ração fornecida às porcas foram enviados para análise de micotoxinas6 , realizada pela metodologia de extração, clarificação e derivação 100% automatizada e cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC).
RESULTADOS
O surto ocorreu em maio de 2004, no município de Sentinela do Sul, RS. Na propriedade havia 18 porcas e cerca de 90 leitões desmamados. O milho usado no arraçoamento dos animais era produzido na propriedade e, segundo o proprietário, foi moído ainda úmido. As porcas e as leitegadas eram mantidas em sistema de criação ao ar livre (SISCAL) e, no momento do desmame, os animais eram confinados num galpão de madeira, em baias coletivas de cama sobreposta em casca de arroz. No total, morreram 7 porcas e 8 leitões e foram relatados casos de aborto em duas fêmeas (Fig. 1).
Surto de aflatoxina em suínos no Estado do Rio Grande do Sul - Image 1
Fig.1. Fotossensibilzação na aflatoxicose em suíno, apresentando a pele na base da orelha com ulceração e formação de crostas.
Surto de aflatoxina em suínos no Estado do Rio Grande do Sul - Image 2
As porcas doentes eram alocadas em baias individuais nogalpão de terminação e continuavam recebendo a mesma alimentação. Os sinais clínicos demonstrados pelas porcas em lactação foram de apatia, anorexia, icterícia, urina de coloração amarelada contendo sangue, e fotossensibilização (Fig. 2). Nos animais jovens os principais sinais clínicos eram de apatia, anorexia e refugagem. Até metade do mês de junho, os animais estavam com pouco ganho de peso e as porcas restantes ainda apresentavam anorexia e estado corporal ruim. O perfil enzimático observado está sumarizado no Quadro 1.
Surto de aflatoxina em suínos no Estado do Rio Grande do Sul - Image 5
Na necropsia, os achados mais significativos foram de icterícia generalizada, coleção moderada a acentuada de líquido amarelado nas cavidades abdominal e pericárdica, edema das serosas intestinais, fígado amarelo-alaranjado, com áreas multifocais de coloração vermelho escura (Fig. 3) e edema de vesícula biliar. Os principais achados histológicos foram observados no fígado e consistiam em tumefação e degeneração moderada difusa de hepatócitos, desorganização dos cordões celulares e congestão moderada. Necrose individual de hepatócitos, corpos apoptóticos, discreta proliferação de ductos biliares e colestase também foram observados (Fig. 4). Os animais com fotossensibilização apresentavam dermatite necrótica com áreas de acantose e hiperqueratose. Necrose folicular leve associada à infiltração acentuada por polimorfonucleares foi observada em linfonodo mesentérico de uma porca (Fig. 5). Uma das porcas e o leitão apresentaram pneumonia intersticial e bronquite purulenta acentuadas. O resultado da imunoistoquímica para circovírus foi negativo em todos animais. As análises  micotoxicológicas realizadas no milho moído e na ração são apresentadas no Quadro 2.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O diagnóstico do surto foi baseado no histórico, na epidemiologia, nos sinais clínicos, achados de necropsia e histopatológicos e nos níveis elevados de aflatoxina B1encontrados no milho moído e na ração consumidos pelos animais. Temperatura, umidade e armazenamento são fatores importantes na produção de aflatoxina(Ketterer et al. 1982, Cook et al. 1989, Osweiler 1999). É provável que a umidade elevada na colheita, no armazenamento e na moagem do milho e o período de seca registrado no Estado durante o verão tenham favorecido a proliferação do fungo e produção de toxinas nesse surto.
Os casos de aborto ocorridos na propriedade podem estar associados a aflatoxicose, e devem estar relacionados com a doença sistêmica das porcas afetadas. Abortos em suínos já foram atribuídos ao consumo de grãos de sorgo (Ketterer et al. 1982) e ração a base de milho contaminado (Fiorentin et al. 1986); no entanto, esta não é uma manifestação comum da aflatoxicose em suínos (Osweiler 1999). A fotossensibilização observada nesse surto deve-se à lesão hepática, decorrente da aflatoxicose, associada à exposição dos animais ao sol no sistema de criação ao ar livre.
Embora animais jovens sejam mais suscetíveis à intoxicação por aflatoxinas, neste caso, a maior incidência nos animais adultos talvez tenha relação com o maior período de consumo da ração contaminada e ao fato dos hormônios esteróides exacerbarem a função oxidase hepática ocasionando maior ativação de aflatoxina B1 em um metabólito mais tóxico, B1-2,3-hepóxido (Swick 1984). Dissociação e necrose individual de hepatócitos e glóbulos eosinofílicos intracitoplasmáticos relatadas neste trabalho, ocorrem na aflatoxicose e são observados em casos de circovirose suína; no entanto, o resultado da imunoistoquimica foi negativo para circovírus. Pneumonia intersticial e a bronquite purulenta, observadas neste estudo, podem estar relacionadas à imunossupressão causada pela aflatoxicose; a necrose nos folículos linfóides corrobora com esta suspeita. O aumento dos níveis séricos de GGT e da bilirrubina total são indicativos de necrose hepática e colestase (Kaneko et al. 1989) observadas no exame histológico. Os níveis de GGT no animal doente e nas amostras aleatórias sugerem que maior número de animais do rebanho estava desenvolvendo a doença. Os achados microscópicos encontrados no fígado, sinais clínicos, níveis de aflatoxina presentes no milho e na ração, são indicativos de um quadro subagudo de aflatoxicose suína. 
REFERÊNCIAS 
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Coppock R.W., Reynolds R.D., Buck W.B., Jacobsen B.J., Ross S.C & Mostrom M.S. 1989. Acute aflatoxicosis in feeder pigs, resulting from improper storage of corn. J. Am. Vet. Med. Assoc. 195(10):1380-1381. 
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Ketterer P.J., Blaney B.J., Moore C.J., McInnes I.S.& Cook P.W. 1982. Field cases of aflatoxicosis in pigs. Aust. Vet. J. 59:113-117. 
Mallmann C.A., Santurio J.M.& Wentz I. 1994. Aflatoxinas - Aspectos clínicos e toxicológicos em suínos. Ciência Rural, Santa Maria, 24(3):635- 643. 
Miller D.M., Stuart B.P. & Crowell W.A. 1981. Experimental aflatoxicosis in swine: morphological and clinical pathological results. Can. J. Comp. Med. 43:343-351. 
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Osweiler G.D. 1999. Mycotoxins, p. 731-740. In: Straw B.E., D´Allaire S., Mengeling W.L. & Taylor D.J. (ed.) Diseases of Swine. 8th ed. Iowa State University Press, Ames. Prophet E.B., Mills B., Arrington J.B. & Sobin L.H. 1992. Laboratory Methods in Histotechnology. Armed Forces Institute of Pathology, Washington, DC. 279 p.
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Autores:
CA Mallmann
LAMIC - LABORATÓRIO DE ANÁLISES MICOTOXICOLÓGICAS
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