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Micotoxinas: o problema pode estar na ensilagem mal conduzida.

Publicado: 6 de agosto de 2012
Por: Lucas José Mari.
É provável que alguns dos senhores ou senhoras que leem este artigo já tenham produzido sua silagem. Alguns ainda terão a “safrinha”, outros ainda não colheram e poderão levar em consideração algumas informações deste texto.
Micotoxinas são substâncias tóxicas produzidas por fungos que podem ser encontradas na maior parte dos alimentos destinados ao consumo animal, tais como concentrados, forragens conservadas (silagem, especialmente) e, até mesmo, em pastagens.
As micotoxinas podem ser produzidas em qualquer etapa de produção de alimento, desde o campo, até o fornecimento no cocho. A adoção de boas práticas de produção agrícola e, neste caso, boas práticas na ensilagem, que auxiliem a redução na contaminação por fungos e, consequentemente, a produção de micotoxinas, são interessantes a serem consideradas.
Enquanto os fungos que produzem estes compostos tóxicos podem ser controlados com certos tratamentos, as micotoxinas são quimicamente estáveis e é quase impossível destruí-las. Elas resistem à fervura, à pasteurização, ao congelamento, ao tratamento ácido – uma característica da ensilagem – dentre outras ações químicas ou físicas. Portanto a prevenção na contaminação de fungos, bem como diminuir seu desenvolvimento é o ponto chave no combate às micotoxinas.
As micotoxinas sempre estiveram presentes nos alimentos, entretanto só mais recentemente se fizeram notar ou foram descobertas. Até hoje já foram catalogadas mais de 300 tipos de destes metabólitos tóxicos produzidos por fungos filamentosos. Há cerca de 15 anos os produtores de aves e/ou suínos já iniciaram ações de prevenção e combate e agora se despertou o interesse em combatê-las também na alimentação dos ruminantes.
Os animais ruminantes são reconhecidamente mais resistentes que os monogástricos no tocante às micotoxicoses, todavia, muito se perde na produção de uma maneira geral, se os fungos e as micotoxinas estiverem presentes, pode ser um inimigo silencioso. Além disso, com o melhoramento genético e a maior demanda de energia para a produção de leite, os animais têm consumido mais alimento, assim, a taxa de passagem da ingesta está mais rápida no rúmen destes animais, por conseguinte, diminuiu o tempo de ação dos microrganismos ruminais sobre os alimentos e as micotoxinas.
Para se ter uma idéia, as micotoxinas são medidas em ppm (partes por milhão) ou ppb (partes por bilhão), ou seja, quantidades bastante pequenas, porém com efeitos na saúde do animal e nos produtos de origem animal que podem ser graves.
Este texto tem como objetivo apresentar um pouco mais sobre micotoxinas àqueles que tem como atividade a produção de ruminantes, alertá-los sobre os danos causados por elas e algumas ações para preveni-las.
 
Principais micotoxinas de interesse na produção animal
Uma das principais micotoxinas e, talvez, a mais conhecida é o grupo das aflatoxinas (AF). Existem alguns tipos delas como as AFB1, AFB2, AFG1, AFG2 que podem ser identificadas nos alimentos ofertados aos animais.
Estas aflatoxinas, após serem metabolizadas no fígado, são transformadas nos tipos AFM1 e AFM2 que podem ser transferidas e encontradas no leite de animais que consumam alimento contaminado.
Até mesmo há legislação brasileira para seu limite máximo no leite e este é de 0,5 ppb, traduzindo isso seria 0,5 g de aflatoxina em um milhão de litros de leite. No leite em pó este limite é de 5 ppb, ou 5 g de aflatoxinas em 1 mil toneladas.
O LAMIC (Laboratório de Análise de Micotoxinas) da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) realizou, há alguns anos, um levantamento das amostras de leite que chegam anualmente para serem analisadas para AFM1 e os resultados estão demonstrados na Figura 1.
Estes dados demonstram claramente que numa época de maior necessidade de fornecimento de alimento no cocho, a maior contaminação da silagem ou do concentrado, há interferência na transferência de AF do alimento para o leite.
A taxa de passagem das aflatoxinas do alimento para o leite varia entre 1 a 6%, essa variação depende de vários fatores, tais como: estatus imune e nutricional dos animais, estádio de lactação, produção diária, possivelmente, mesmo a raça, dentre outros.
Outra micotoxina bastante importante e que causa prejuízos significativos é a zearalenona (ZEA). Um composto que se assemelha quimicamente ao estrógeno (hormônio feminino), desta forma se a ZEA estiver presente nos alimentos, seus resultados no rebanho estão relacionados, principalmente, a problemas reprodutivos, tais como aborto, repetição de cio, edema de úbere em novilhas, retenção de placenta, cistos de ovário, dentre outros sintomas.
Nos machos o consumo de zearalenona está relacionado à queda na fertilidade e da libido. Já foi comentado que os ruminantes têm a capacidade de combater certas micotoxinas e isso é função, principalmente, dos microrganismos ruminais. Contudo, para a ZEA isso não ocorre e os microrganismos a convertem em uma substância muito mais prejudicial que a própria molécula original, potencializando seu efeito estrogênico. 
Existe outra micotoxina chamada deoxinivalenol (DON) ou mais conhecida como vomitoxina. A DON compromete a saúde dos microrganismos no interior do rúmen e do animal como um todo, comprometendo, por sua vez, a digestão e o desempenho dos animais.
Todos sabem da importância de um bom funcionamento do rúmen e de uma população equilibrada de microrganismos ruminais, pois o órgão é o “motor” dos ruminantes e se algo prejudica o bom funcionamento do rúmen, as consequências poderão ser a menor produção de leite ou queda no desempenho e resposta animal.
Ainda há a fumonisina (FB1 e FB2) que apesar de ter sido descoberta recentemente (1988) tem seu efeito e incidência comprovada em alguns alimentos, principalmente nos fermentados, como silagens. Esta micotoxina é especialmente tóxica para equinos. As fumonisinas quando ingerida por estes animais pode causar leucoencéfalomalácia.
 
Levantamento da incidência de micotoxinas
A equipe do Prof. Patrick Schmidt da UFPR realizou uma, até então inédita, pesquisa de campo buscando avaliar a prevalência de micotoxinas em silagens de milho em cinco bacias leiteiras no Brasil, percorrendo 109 propriedades nas diversas regiões: Castro e Toledo, no Paraná; sudeste de Goiás: sul de Minas Gerais e oeste de Santa Catarina. Os dados deste levantamento estão demonstrados na Tabela 1.
Pode-se verificar na análise da Tabela 1 que a micotoxina de maior incidência verificada no estudo foi a ZEA com quase 73% das amostras apresentando níveis detectáveis desta micotoxina, seguida da FB1 (48,6%), DON (33,6%), FB2 (25,1%), OCRA e AFB1 apresentaram menos de 10% das amostras contaminadas. 
 
Boas práticas de ensilagem
A adoção de boas práticas de ensilagem poderá contribuir para a prevenção da contaminação fúngica e diminuição da produção de micotoxinas. Estas práticas são ações que vão deste o campo, até o fornecimento da silagem para os animais, justamente tentando cobrir todas as possibilidades de produção da toxina pelos fungos. 
Vale lembrar que nem mesmo a adoção destas práticas descartaria completamente a possibilidade de produção de micotoxinas, entretanto elas são importantes para diminuir as chances.
São elas:
  • Escolha de variedades ou híbridos adaptados à região em questão e resistente ao ataque de fungos;
  • Controle de ervas daninhas e pragas;
  • Aplicação de fungicidas e pesticidas, quando necessários;
  • Fazer rotação de culturas;
  • Fazer a fertilização correta, conforme indicação de um profissional habilitado;
  • Fazer a colheita no momento ideal para a cultura de interesse;
  • As colhedoras devem estar muito bem ajustadas para o corte preciso e evitar tombamento (acamamento);
  • Utilização de inoculante bacteriano adequado que produza ácidos com poder antifúngico como os casos do Lactobacillus buchneri e do Propionibacterium acidipropionici que produzem ácido acético e ácido propiônico;
  • Enchimento rápido do silo, entretanto com compactação efetiva e eficiente para chegar a atingir densidade mais de 600 kg/m3 de silagem;
  • Vedação apropriada da massa ensilada com lonas de qualidade;
  • Manejo adequado da face do silo para minimizar a deterioração após a abertura.
No tocante aos inoculantes microbianos, alguns já têm seus efeitos comprovados no controle de fungos e leveduras após a abertura do silo e exposição da massa ensilada ao oxigênio.
A Figura 2 demonstra um estudo com silagem de milho com 32% de teor de matéria seca. A silagem inoculada com uma associação contendo Propionibacterium acidipropionici Lactobacillus plantarum apresentou menor crescimento de fungos e leveduras após a abertura da silagem.
Enquanto o crescimento destes microrganismos indesejáveis apresentou comportamento exponencial durante 8 dias de exposição ao oxigênio, a silagem inoculada apresentou um comportamento linear e, ao final, menor contagem. Provavelmente, segundo o autor do estudo, o ácido propiônico produzido pela Propionibacterium acidipropionici inibiu o crescimento de fungos e leveduras,sendo importante fonte de prevenção deste microrganismos indesejáveis.
 
Considerações finais
Micotoxinas têm despertado o interesse também na saúde e nutrição de ruminantes. Como sempre já diz o ditado conhecido: “É melhor prevenir que remediar”. Isso também se aplica às micotoxinas.
A adoção de técnicas de boas práticas na ensilagem poderá diminuir a contaminação por fungos. Na ensilagem propriamente dita, a prevenção da deterioração aeróbia tem demonstrado bons resultados no controle do desenvolvimento de fungos e, consequentemente, da produção de micotoxinas.
 
Referências bibliográficas
LAMIC, 2008. http://www.lamic.ufsm.br/index.html
Schmidt, P.; Souza, C.M. de; Novinski, C.O.; Junges, D.; Rezende, D.M.L.C. Níveis de micotoxinas em silagens de milho em cinco bacias leiteiras do Brasil. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 48., Belém, 2011.Anais. Belém: UFRA, 2011.
 
*originalmente publicado na revista InteRural, nº 50 de Fevereiro de 2012.
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Lucas Mari
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Lucas Mari
Lallemand
15 de agosto de 2012
Cara Renata Soares; Obrigado pelo seu comentário e participação. O uso de incoulantes específicos é importantíssimo para a condução de uma fermentação adequada. Na verdade, os inoculantes têm interferência no processo e esta interferência pode ser boa ou má. Daí a necessidade de se escolher o inoculante certo para a forragem que será utilizada. Veja no caso da silagem de cana que mencionou. Existem estudos de quase uma década na ESALQ que demonstraram que determinadas bactérias não devem ser utilizadas para este tipo de forragem. As bactérias homofermentativas ou homoláticas, que produzem quase que exclusivamente ácido lático são desaconselhadas para inoculação da cana-de-açúcar, pois, ao produzirem ácido lático, as leveduras podem utilizá-lo e convertê-lo em etanol. O ácido lático, como já destacado neste artigo, não tem poder contra leveduras e serve de substrato para que as mesmas utilizem na fermentação alcoólica, levando efeito exatamente antagônico ao esperado. As bactérias homofermentativas mais comuns e que devem ser evitadas na ensilagem da cana-de-açúcar são, principalmente, Lactobacillus plantarum e algumas espécies de Pediococcus e Streptococcus (Enterococcus). Todavia, em se utilizando um inoculante específico para cana-de-açúcar (que não contenha os microrganismos acima destacados) é possível que tenha uma silagem de qualidade, com menores perdas de matéria seca em função do melhor controle da fermentação alcoólica. Gostaria de destacar que, pelo menos até onde eu tenha conhecimento, as micotoxinas não são tão comuns em silagens de cana, quanto em outros tipos de forragens. Mantenho-me à disposição para esclarecimentos que se fizerem necessários. Muito obrigado.
Renata Soares
15 de agosto de 2012
Caro Lucas, Parabéns pelo artigo esclarecedor e de fundamental importância aos produtores e técnicos que atuam na área. Uma dúvida que tenho, e aproveitando a pergunta do colega Renato Rossi: Independentemente da planta que será ensilada (leguminosa ou gramínea) ainda assim o uso de inoculantes não apresentará interferências? Penso em uma silagem de cana, por exemplo. Muito obrigada.
Lucas Mari
Lallemand
6 de agosto de 2012
Caro Renato Rossi; Enviei o artigo sem me despedir e agradecer novamente sua participação. Mantenho-me à disposição. Obrigado, Lucas
Lucas Mari
Lallemand
6 de agosto de 2012
Caro Renato Rossi, Obrigado pelas palavras e por participar da discussão deste tema. O ácido lático é importante no processo fermentativo (queda do pH, já que é um ácido forte,entre os ácidos orgânicos) que ocorre durante a ensilagem, entretanto ele não tem poder antifúngico. Após a abertura, primeiramente as leveduras e depois os fungos filamentosos, consomem parte deste ácido lático (além de carboidratos solúveis residuais) e produzirão, por oxidação, CO2, H2O e calor. Por isso a estabilidade após abertura é menor que quando as silagens tem concentrações de ácidos acético e propiônico um pouco maiores que as silagens regulares. Estes dois últimos ácidos, além do ácido bezóico tem poder antifíngico reconhecido. Existem microganismos que podem produzir ácidos acético e propiônico, conforme descrito no texto, entretanto não existe nenhum micorganismo capaz de produzir ácido benzóico.
Renato Rossi
6 de agosto de 2012
Caro Lucas, parabéns pelo seu artigo sendo oportuno para reforçar a importância de uma ensilagem bem feita, mas tenho um questionamento quanto a utilização de inoculantes com Propionibacterium acidipropionici. Se tivermos um material ensilado de qualidade e utilizarmos esse tipo de inoculante não estaremos direcionando o açucar para produzir ácido propiônico ao invês do ácido láctico que é o que realmente nos interessa? Obrigado
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