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Manejo da cama de frango

Publicado: 17 de junho de 2022
Por: Clarissa Silveira Luiz Vaz
A capacidade global de produzir alimentos em quantidade e qualidade suficientes para suprir a demanda vem sendo colocada em cheque na era marcada por mudanças climáticas, pandemia por novo coronavírus e tensões geopolíticas, que impactam severamente no setor de proteína animal. É o caso da avicultura de corte, onde o custo atual de produção pressiona para que os processos produtivos sejam mais efetivos e eficazes, buscando o equilíbrio necessário à sustentabilidade da atividade. Como parte do processo, a cadeia produtiva avícola tem se estruturado para atender aos critérios ambiental, social e de governança (ESG) que atualmente permeiam os compromissos das empresas e as expectativas dos consumidores. Partindo desses preceitos, o manejo da cama de frango dentro do aviário se inter-relaciona com a esfera ambiental, ao influenciar o volume de resíduo gerado nas granjas; e com o aspecto da saúde avícola e ambiência.
Os frangos permanecem em contato estreito com a cama desde o alojamento até o carregamento para abate. Nesse período, a cama vai acumulado excretas e demais componentes residuais, como penas, sobras de ração, água, e insetos; resultando num substrato orgânico complexo que varia conforme o material-base, tipo de aviário, manutenção de bebedouros, densidade animal, microbiota das aves, composição da ração, e idade do lote. Boa parte da qualidade da cama depende, portanto, de como é manejada, interferindo na eficiência da produção ou surgimento de problemas como pododermatites, stress respiratório e enfermidades infecciosas e parasitárias. No que diz respeito à sustentabilidade econômica e ambiental, o reuso da cama por múltiplos lotes de frangos está bem assimilado na rotina de produção e aumenta o intervalo de descarte final. Todavia, a carga de micro-organismos residuais na cama reutilizada precisa ser considerada na preservação das condições sanitárias dos lotes e inocuidade da carne de frango. É por isso que o manejo da cama visando mitigar riscos microbiológicos é uma das principais preocupações de avicultores e médicos veterinários sanitaristas. Enfermidades emergentes ou recorrentes nas granjas de frango reforçam a necessidade de revisitar o manejo da cama para melhorias ou correções. Aqui são discutidos aspectos relacionados ao manejo de cama de frango reutilizada entre lotes com foco na mitigação de problemas sanitários.
Qualidade microbiológica da cama de frango
A troca da cama de frango a cada lote foi originalmente proposta pelo entendimento de que a cama nova apresenta melhores condições microbiológicas, imprimindo maior rigor sanitário aos lotes. De modo geral, a cama nova contém maior carga de bactérias de origem ambiental; enquanto a cama reutilizada entre lotes apresenta predominância de micro-organismos residuais provenientes das excretas dos frangos (Cressman et al., 2010). A cama nova, porém, não pode ser diretamente entendida como isenta de riscos microbiológicos. De fato, a cama antes do alojamento do primeiro lote apresentou carga média inicial de enterobactérias maior do que a média na cama reutilizada do terceiro ao sexto lote (Vaz et al., 2017). Duas observações podem ser feitas: primeiro, o reuso da cama sob a ótica do bom manejo não piora sua qualidade microbiológica e, segundo; a cama nova precisa de intervenção antes do alojamento do primeiro lote de frangos. Apesar das diferenças regionais no país quanto à oferta sazonal de substratos para cama nova, aqueles que suportam o tratamento térmico aplicado nas fábricas antes de sua expedição às granjas são ideais. A estocagem desse material na granja, quando necessária, deve assegurar condições que impeçam recontaminações posteriores.
As enterobactérias, habitantes normais do intestino de animais e humanos, são também boas indicadoras da qualidade microbiológica da cama a partir do primeiro alojamento de frangos. Ao longo de ciclos sucessivos, a cama de frango reutilizada e submetida a controle de micro-organismos residuais apresentou maior redução de enterobactérias nos primeiros três lotes, tendendo a estabilização a partir do quarto ciclo de uso (Vaz et al., 2017). Essa tendência de redução linear da carga média de enterobactérias na cama ao longo dos lotes foi também identificada em outras granjas comerciais por, pelo menos, seis lotes sucessivos (Figura 1; Voss-Rech et al., 2019). Notavelmente, Thaxton et al. (2003) não encontraram mudanças significativas no número total de outros micro-organismos indicadores (bactérias aeróbicas e anaeróbicas, coliformes totais, e fungos e leveduras) na cama reutilizada por mais de seis lotes de frangos. Isso sugere que, uma vez que a microbiota da cama se estabelece, a carga de bactérias tende a permanecer constante.
Por outro lado, os micro-organismos patogênicos talvez sejam os indicadores mais importantes a serem considerados no manejo da cama, já que o reuso entre lotes favorece a persistência e dispersão de agentes causadores de doenças avícolas ou de zoonoses. No rol das doenças produtivas, a carga de oocistos residuais viáveis de Eimeria spp. em cama de frango reutilizada é indicadora do risco de coccidiose, cujos danos intestinais facilitam a colonização por Clostridium perfringens e, frequentemente, o desenvolvimento de enterite necrótica. A presença de oocistos na cama de primeiro lote reforça a natureza ubíqua das eimerias em granjas de frangos de corte, cujo pico de acumulação na cama geralmente ocorre entre 2 e 4 semanas de idade, independente do uso cíclico de drogas anticoccidianas e de vacinas vivas nos lotes (Chapman et al., 2016; Jenkins et al., 2017). Nesse ponto, o tipo de manejo da cama de frango contribui no controle dos oocistos e prevenção de coccidiose nos lotes. Por exemplo, o manejo da cama com condicionantes reduziu significativamente a contagem total e esporulação dos oocistos (Soliman et al., 2018), como também foi associado à redução do risco de presença de E. maxima e E. tenella (Balestrin et al., 2021).
Figura 1. Média de enterobactérias (log10 UFC/g) em cama medida no alojamento e no carregamento dos frangos ao longo de 6 ciclos de reuso entre lotes em granjas comerciais
Figura 1. Média de enterobactérias (log10 UFC/g) em cama medida no alojamento e no carregamento dos frangos ao longo de 6 ciclos de reuso entre lotes em granjas comerciais
Considerando os agentes de doenças que estão sob vigilância permanente, o vírus da Influenza Aviária é um típico exemplo cuja ocorrência em aves comerciais acarreta emissão de alerta sanitário internacional e exige métodos efetivos para sua inativação em resíduos da produção, incluindo a cama. Os vírus da Influenza Aviária de baixa patogenicidade mantêm-se viáveis por menos tempo em cama de casca de arroz reutilizada se comparados aos de alta patogenicidade, os quais persistem por menos de 72 horas na cama (Figueroa et al., 2021). Por outro lado, as salmonelas paratíficas são exemplo de agentes monitorados nos abatedouros, onde se busca atender um nível de contaminação de carcaças não superior ao limite de amostras aceitáveis a cada ciclo. O manejo da cama de frango nas granjas tem potencial efeito no controle da infecção por salmonelas nos lotes. De fato, um estudo de campo mostrou que, uma vez que são detectadas na cama que não passa por intervenção específica no intervalo entre lotes, são capazes de persistir e serem detectadas ao longo dos lotes subsequentes (Tabela 1). Roll et al. (2011) identificaram redução significativa de suabes de arrasto positivos para Salmonella spp. em cama de frango reutilizada a partir do sexto lote. Todavia,mais recentemente, a análise dos dados da monitoria de Salmonella em uma integração de frangos de corte estimou que o reuso da cama por mais de seis lotes aumenta significativamente a probabilidade da detecção de salmonelas (Machado Junior et al., 2020). No conjunto, esses resultados não devem ser interpretados como uma recomendação simplista e generalizada em relação ao número ideal de lotes para o qual a cama poderia ser reutilizada, mas reforçam a necessidade de escolha da intervenção mais adequada a ser usada no intervalo entre lotes para controle de patógenos residuais, e tomada de decisão quanto ao reuso no caso de recorrência de problema sanitário.
Tabela 1. Detecção de salmonelas paratíficas na cama de frango ao longo do reuso entre lotes no mesmo aviário em granjas comerciaisa. Fonte: Voss-Rech et al. (2019).
Tabela 1. Detecção de salmonelas paratíficas na cama de frango ao longo do reuso entre lotes no mesmo aviário em granjas comerciaisa. Fonte: Voss-Rech et al. (2019).
Intervenções no intervalo entre lotes
Partimos do princípio de que o reuso da cama entre lotes de frangos está condicionado a manejo cujas intervenções mitiguem os riscos microbiológicos à saúde avícola e humana. Muitas das intervenções para reduzir a carga de micro-organismos residuais e inativar eventuais patógenos na cama são executadas durante o intervalo entre lotes no aviário. Por isso o manejo da cama está tão interligado com o tempo de vazio. A estreita interdependência entre vazio e manejo da cama pode ser observada na Figura 2, onde algumas das intervenções testadas na cama durante o intervalo entre lotes de 12 dias não alcançaram a eliminação de S. Enteritidis antes desse período. Além disso, lotes de frangos com resultado negativo para eimerias, alojados em aviários com pressão negativa, foram relacionados ao maior tempo de vazio sanitário entre lotes (Balestrin et al., 2021).
Idealmente, as intervenções na cama reutilizada devem estar previstas e descritas no programa de biosseguridade da granja e conduzidas de forma preventiva mesmo na ausência de problemas sanitários nos lotes anteriores. Do ponto de vista da fiscalização, os estabelecimentos avícolas comerciais que estão sob o escopo da norma de registro e controle sanitário (Instrução Normativa 56/2007) podem reutilizar a cama na ausência de ocorrências que representem riscos à saúde avícola e humana. Diante de problema sanitário que se enquadre nesses critérios, a cama precisa ser submetida a procedimento aprovado pelo serviço veterinário oficial e capaz de inativar patógenos, antes de sua retirada do aviário (Brasil, 2007). Recomendações específicas são direcionadas à cama de lotes de frangos detectados positivos para S. Enteritidis, S. Typhimurium e S. Gallinarum (biovares Pullorum e Gallinarum) na monitoria regular, que não pode ser reusada e precisa ser submetida a método de inativação antes de ser retirada do aviário (Brasil, 2016). Por sua vez, a cama de frango em granjas localizadas em compartimentos avícolas certificados quanto ao status diferenciado para infecção pelos vírus da Doença de Newcastle e da Influenza Aviária obrigatoriamente tem de ser submetida a tratamento que impeça a introdução e a disseminação de ambos os vírus (Brasil, 2014).
Figura 2. Frequência (%) de Salmonella Enteritidis em cama de frango reutilizada submetida a intervenções e amostrada nos dias 0, 3, 6, 9 e 12 de tratamento. Fonte: Vaz et al., 2017.
Figura 2. Frequência (%) de Salmonella Enteritidis em cama de frango reutilizada submetida a intervenções e amostrada nos dias 0, 3, 6, 9 e 12 de tratamento. Fonte: Vaz et al., 2017.
Além de inativar patógenos residuais, as intervenções na cama reutilizada devem, preferencialmente, também proporcionar condições ideais de ambiência para o alojamento do lote subsequente, a ponto de mitigar estresse respiratório, lesões de pele e pés, e qualquer outra situação que desfavoreça o desempenho produtivo dos frangos. Nesse sentido, há várias possibilidades de intervenções (Tabela 2), muitas das quais já estão bem integradas na rotina das granjas de frangos. Os métodos fermentativos são aqui considerados processos microbiológicos em grande escala que ocorrem na presença ou ausência de oxigênio. Alguns condicionantes podem ser aplicados durante o alojamento dos frangos, todavia não excluem o uso de outra intervenção específica no intervalo entre lotes.
Cabe considerar as peculiaridades de cada situação, que vão determinar a escolha do método mais adequado conforme seu princípio de atuação e efeito geral desejado. No caso das salmonelas paratíficas, alguns sorotipos, como S. Enteritidis parecem ser mais facilmente inativados na cama de frango (Figura 2) se comparados a outros como S. Heidelberg (Figura 3), cuja habilidade de adaptação e resistência no ambiente contribui para sua sobrevivência na cama de frango (Melo et al., 2021). A persistência de S. Heidelberg em cama de frango tratada para reuso entre lotes sugere uma possível seleção e adaptação de cepas com capacidade de resistir nesse nicho, tornando as intervenções de controle menos efetivas (Voss-Rech et al., 2017, Oladeinde et al., 2018).
Tabela 2. Algumas intervenções usadas para melhorar as condições físicas, químicas e microbiológicas da cama de frango reutilizada. Fonte: adaptado de Toledo et al. (2020).
Tabela 2. Algumas intervenções usadas para melhorar as condições físicas, químicas e microbiológicas da cama de frango reutilizada. Fonte: adaptado de Toledo et al. (2020).
Figura 3. Frequência (%) de frangos detectados positivos entre a 1° e 5° semana de alojamento sobre cama com S. Heidelberg que foi submetida a tratamento por cobertura plana (T1), aplicação de cal (T2), cobertura plana + cal (T3) e sem intervenção (T4). Fonte: Voss-Rech et al. (2017).
Figura 3. Frequência (%) de frangos detectados positivos entre a 1° e 5° semana de alojamento sobre cama com S. Heidelberg que foi submetida a tratamento por cobertura plana (T1), aplicação de cal (T2), cobertura plana + cal (T3) e sem intervenção (T4). Fonte: Voss-Rech et al. (2017).
Características físico-químicas interferentes
Características físicas e químicas da cama de frango podem ser moduladas pelas intervenções apropriadas. Os micro-organismos presentes na cama são responsáveis por intensa oxidação e decomposição da matéria orgânica que produz aumento da temperatura, cujo efeito na redução de patógenos depende da sua constância e distribuição (Macklin et al., 2008; Guo et al., 2020). A manutenção de 50 °C por pelo menos 24 horas tem sido um critério para reduzir ou inativar micro-organismos na cama de frango (Macklin et al., 2006; Schmidt et al., 2013). Temperaturas equivalentes ou mesmo superiores são alcançadas durante o enleiramento da cama, mas não em outras intervenções testadas durante o intervalo entre lotes (Tabela 3), que geralmente não excedem a temperatura ambiente (Macklin et al, 2006; VossRech et al., 2017). Contudo, a temperatura se distribui de maneira desuniforme na leira, com nítidas diferenças entre a superfície e o centro (Siller et al., 2020). Schmidt et al. (2013) mostram que menos de 40% das partes da leira foram capazes de alcançar e manter 55 °C por 4 horas. É plausível, portanto, considerar que essa distribuição desigual interfira na capacidade de inativação de micro-organismos residuais na cama reutilizada. Por outro lado, temperaturas inferiores foram registradas em cama reutilizada não tratada comparada com cama enleirada, porém ambas apresentaram carga semelhante de bactérias indicadoras (Barker et al., 2013). Comparativamente, a temperatura média de cama reutilizada durante o enleiramento e a cobertura plana com lona foi 51,0 °C e 20,8 °C, respectivamente; e ambas as intervenções foram efetivas em inativar S. Enteritidis ao término do tratamento (Vaz et al., 2017). Esses resultados reforçam que diferentes fatores físicoquímicos podem atuar na redução da carga residual de bactérias da cama tratada.
Tabela 3. Temperatura média (°C) registrada a cada 2 horas em cama de frango reutilizada de acordo com a intervenção aplicada ao longo de 12 dias de intervalo entre lotes. Fonte: Vaz et al. (2017).
Tabela 3. Temperatura média (°C) registrada a cada 2 horas em cama de frango reutilizada de acordo com a intervenção aplicada ao longo de 12 dias de intervalo entre lotes. Fonte: Vaz et al. (2017).
Partindo de um substrato-base com boa capacidade higroscópica, a cama é capaz de absorver a maior parte da água proveniente das excretas e respiração dos frangos. Por sua vez, o conteúdo de água na cama tem relação com a viabilidade de bactérias. Em geral, menor carga de bactérias está presente em cama de frango com menor atividade de água, entendida como a disponibilidade de água num determinado substrato (Macklin et al., 2006). Conteúdo de umidade igual ou inferior a 30% favoreceu o controle de S. Typhimurium e Escherichia coli O157:H7 em cama de frango (Chang et al., 2020). Teores de umidade de cama entre 15 e 30 % são também desejados para o desempenho dos frangos, já que proporcionam condições para manutenção da saúde e bem-estar, e da capacidade higroscópica da cama (Pepper & Dunlop, 2021). A umidificação da cama é intencionalmente realizada no início das intervenções que envolvem cobertura com lona impermeável para favorecer o processo fermentativo. Portanto, há uma tendência de que essas camas apresentem maior teor de umidade (Macklin et al., 2006). Por isso, a cobertura plana com lona resultou em maior teor de umidade na cama no último dia de tratamento em relação a outras intervenções avaliadas, porém foi gradativamente reduzido ao longo dos ciclos de reuso (Vaz et al., 2017). Todavia, o teor de umidade não foi relacionado à carga de bactérias detectada na cama reutilizada (Thaxton et al., 2003), assim como o declínio significativo de bactérias em cama enleirada não teve relação direta com mudanças na atividade de água registradas na cama (Macklin et al., 2006).
Notadamente, teores de umidade de cama acima de 35% favorecem o aumento de produção de amônia (NH3) e escoamento de nutrientes, piorando as suas condições para uso agronômico posterior como fertilizante agrícola (De Laune et al., 2004; Dittoe et al., 2018). Sob o ponto de vista microbiológico, a perda de NHna forma de volatilização é benéfica por dificultar a viabilidade de micro-organismos patogênicos na cama. Intervenções que envolvem a cobertura da cama com lona impermeável favorecem a retenção da amônia (Macklin et al., 2006), cujo efeito antimicrobiano parece decorrer do aumento do pH dentro das células e no próprio meio (Singh et al., 2012), como também da clivagem de RNA viral (Emmoth et al., 2011). O aumento significativo de nitrogênio amoniacal (N-NH4+), medido como indicador de NHna cama de frango submetida à cobertura plana, teve relação com a inativação do vírus da Doença Infecciosa da Bursa (doença de Gumboro) (Figura 4). Esse é um vírus não envelopado e altamente resistente à inativação, que tem sido considerado modelo para a inativação de outros vírus aviários com características biológicas semelhantes ou inferiores, como os causadores da Influenza Aviária e Doença de Newcastle (Guan et al., 2010). Esse teor de amônia retido pela lona não teve, entretanto, o mesmo efeito sobre S. Heidelberg residual (Voss-Rech et al., 2017). Mais recentemente, o influxo de gás amônia a cada 4 minutos por 48 h sob a cama coberta por lona foi proposto como forma de alcançar maiores teores de amônia na cama reutilizada tratada e assim promover a inativação de salmonelas ambientalmente resistentes, como parece ser o caso de S. Heidelberg (Mendonça et al., 2020). Em todas as situações, o manejo da ventilação do aviário precisa garantir boa qualidade de ar para dissipar o excesso de amônia antes do alojamento do lote subsequente visando manter níveis adequados ao sistema respiratório das aves e atingir os parâmetros produtivos desejados.
Cama reutilizada por entre três e seis lotes de frangos, sem uso de condicionantes, apresentou pH médio de 8,0 (Terzich et al., 2000). Considerando os limites de pH que suportam o crescimento de bactérias (Tabela 4), a acidificação pode ter um efeito desejável sobre a viabilidade de patógenos residuais na cama reutilizada. Além disso, reduz a volatilização da NHpresente na cama de frango por meio da conversão de NHvolátil a NH4-N não volátil. Isso reduz a perda de nitrogênio, aumentando o valor agronômico posterior da cama como fertilizante e contribuindo para redução da emissão atmosférica de gases (DeLaune et al., 2004; Cook et al., 2011). A acidificação parece ter efeito também sobre vírus aviários residuais: uma cepa de vírus da Influenza Aviária de baixa patogenicidade foi imediatamente inativada após uso de condicionante acidificante (Figueroa et al., 2021). Entretanto, tendência de aumento na contagem de Staphylococcus, E. coli, e outras bactérias indicadoras foi identificada à medida que os valores médios de pH aumentaram (Terzich et al., 2000). De fato, as flutuações de pH detectadas ao longo do tratamento da cama por procedimentos comuns de manejo ao longo do reuso por seis lotes não refletiu em redução da carga de bactérias indicadoras (Vaz et al., 2017) e parecem não ter relação direta com a densidade de bactérias na cama (Thaxton et al., 2003).
Figura 4. Frequência (%) de frangos detectados positivos por RT-qPCR e ELISA entre a 1°e 5° semana de alojamento sobre cama com vírus da Doença Infecciosa da Bursa (VDBI) que foi submetida a cobertura plana (T1), aplicação de cal (T2), cobertura plana + cal (T3) e sem intervenção (T4). Fonte: VossRech et al. (2017).
Figura 4. Frequência (%) de frangos detectados positivos por RT-qPCR e ELISA entre a 1°e 5° semana de alojamento sobre cama com vírus da Doença Infecciosa da Bursa (VDBI) que foi submetida a cobertura plana (T1), aplicação de cal (T2), cobertura plana + cal (T3) e sem intervenção (T4). Fonte: VossRech et al. (2017).
Considerações finais
Os atuais alertas de doenças avícolas notificáveis em países produtores de frangos evidenciam as ameaças sanitárias iminentes para a avicultura brasileira. Manejo da cama de frango é parte obrigatória do programa de biosseguridade da granja, no qual todo investimento custa menos do que remediar uma situação de surto, saneamento, restabelecimento da situação anterior e reconquista de mercados e da confiança dos consumidores. Resultados de pesquisas auxiliam na tomada de decisão quanto às intervenções de cama mais adequadas para seu reuso entre lotes ou seu descarte seguro em eventuais problemas sanitários, contribuindo para a manutenção do status do plantel avícola, preservação da atividade econômica e competitividade frente aos demais países produtores. Dada a complexidade da microbiota da cama, a especificidade de cada problema sanitário, e dos vários fatores do ambiente e aviário que interferem na qualidade da cama, não há uma intervenção única e simplificada que seja adequada a todas as situações. Cada granja precisa ser avaliada individualmente, considerando sua situação e os desafios para assim identificar assertivamente as intervenções aplicáveis. Finalmente, as intervenções de cama que forem propostas precisam ser factíveis de compreensão e de execução pelos funcionários da granja, segundo as instruções técnicas recebidas do profissional responsável, para assim chegar ao resultado desejado.
Tabela 4. Faixa de pH adequada à multiplicação de bactérias. Fonte: adaptado de www.metergroup.com.
Tabela 4. Faixa de pH adequada à multiplicação de bactérias. Fonte: adaptado de www.metergroup.com.
Esse artigo foi originalmente publicado em Conferência Facta Avicultura | https://www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/1143623/1/final9917.pdf

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Autores:
Clarissa Silveira Luiz Vaz
Embrapa Suínos e Aves
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