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Contribuições do melhoramento genético à avicultura de corte do Brasil

Publicado: 13 de junho de 2022
Por: Dirceu Joao Duarte Talamini
Vincular as atividades de melhoramento genético envolvidas na produção das linhas puras que vão originar as matrizes e pintos comerciais e o seu o impacto nos custos da produção comercial das aves é uma tarefa desafiante pois o tema se relaciona com a própria evolução da avicultura mundial e Brasileira. Dispor de linhagens genéticas especializadas de aves é de extrema importância pelo efeito que elas tem nos resultados técnicos e econômicos de toda a cadeia produtiva. A cadeia produtiva da avicultura é longa e complexa e o seu sucesso depende dos chamados fatores de produção (terra, trabalho e capital). Além disso, é fundamental a gestão competente de todos os elos da cadeia, desde a produção dos animais, passando pelo abate, processamento e a comercialização dos produtos. O governo e seus diversos setores de apoio, fiscalização e controle também contribuem pois atuam em sinergia visando potencializar o desenvolvimento sustentável de toda a cadeia produtiva. Nos fatores de produção, o capital inclui os insumos produtivos, como os animais melhorados geneticamente, fundamentais para o desempenho das criações. A avicultura brasileira posiciona-se entre as atividades mais avançadas da nossa agricultura. Foi estruturada com base em modelo gerado há mais de um século nos Estados Unidos e teve grande evolução tecnológica nos seu principais indicadores de desempenho, conforme mostra a Figura 1.
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Figura 1 – Evolução dos principais indicadores de desempenho técnico da produção de frangos no Brasil entre 1920 e 2021.
De acordo com Tobin e Arthur (1964), o atual modelo de organização e produção de aves comerciais foi desenvolvido nos Estados Unidos, tendo suas bases lançadas em 1920. No entanto, só em 1940 as vendas de frangos desses aviários modernos ultrapassaram os volumes das criações tradicionais. A mudança das criações antigas para os novos sistemas produtivos, complexos e com grande número de aves por unidade, implicou também no desenvolvimento e uso do modelo integração produtor/agroindústria, visando facilitar a coordenação das várias etapas interdependentes do processo (Figura 2). Este modelo foi usado com sucesso e resultou numa rápida expansão da cadeia produtiva.
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Figura 2 – Representação da cadeia produtiva do frango no Brasil.
Expressivos investimentos em pesquisa e desenvolvimento foram realizados e em 1945, por exemplo, a empresa Great Atlantic Company criou e financiou o “Chicken of Tomorrow Program”, com a intenção de desenvolver linhagens de frangos especializadas na produção de carne, com ênfase no rendimento de peito, coxas e sobre-coxas. De acordo com os autores citados, significativo desenvolvimento técnico ocorreu principalmente entre os anos de 1945 a 1955. Um dos primeiros resultados obtidos foi na área da genética, com o desenvolvimento de linhagens especializadas na produção de ovos ou de carne, resultado de programas de seleção e cruzamento de linhas especializadas de machos e fêmeas. Entre os anos de 1947 e 1951, foi obtida uma redução de 18% no tempo necessário para um pinto de 1 dia alcançar 3,5 pounds (1,35kg). Os próximos 18% de ganho nesta variável demandaria 7 anos adicionais. Os 10 anos após o final da Segunda Guerra Mundial foi de grandes avanços nas técnicas de alimentação, com rações de alta energia, novos aviários bem como nos processos de abate, preparação e distribuição dos produtos ao mercado. O uso dessas tecnologias possibilitou que entre 1920 e 1955 ocorresse uma redução de 30 a 40% nos preços de varejo da carne de frango, enquanto o preço das carnes vermelhas subiu entre 75 a 90%. Essa pequena retrospectiva mostra o impacto positivo do melhoramento genético das linhagens de aves, estimulando avanços tecnológicos também nas demais áreas técnicas (nutrição, sanidade, instalações, manejo, dentre outras). Também os elos de abate e processamento e do transporte dos animais vivos e produtos prontos para o consumo se modernizaram e contribuíram para a produtividade da avicultura de corte. Enfim, o modelo de organização e de coordenação das atividades da cadeia foi um fator decisivo para a modernização e sucesso da atividade assim como a sinergia existente com os órgãos do governo visando seu crescimento e o acesso aos mercados interno e externo.
PARTICIPAÇÃO NOS CUSTOS DE PRODUÇÃO
Analisando o insumo “genética avícola”, nota-se que a geração e a comercialização das linhagens especializadas é resultado de intenso trabalho técnico e empresarial num ambiente de grande competição. São processos complexos executados por empresas globalizadas, que enfrentam forte concorrência no mercado o que tem resultando na concentração e redução de marcas comerciais disponíveis no mundo. Na avicultura de corte brasileira, por exemplo, atualmente três empresas multinacionais dominam o mercado, comercializando gerações de matrizes, avós e bisavós. São elas a Aviagen, cuja marca comercial mais conhecida é a Ross, a Hubbard e a Tyson, com a linhagem Cobb (Tabela 1). Essas empresas, além das marcas especializadas na produção de carne, também possuem outras linhagens para corte e postura.
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A concentração da produção em menor número de empresas pode ser positiva por facilitar a obtenção de produtos mais competitivos e reduzir custos operacionais. Mas, por outro lado, pode aumentar o poder de mercado e a capacidade dessas empresas definirem os preços dos seus produtos. A otimização dos processos de seleção e multiplicação das aves reflete-se em melhorias contínuas dos indicadores de produtividade das linhagens, com uma enorme capacidade de expansão do número de animais. Assim, partir de um macho e dez fêmeas do rebanho núcleo no topo da pirâmide, após 4 anos de seleção e multiplicação, pode-se produzir 48,75 milhões de pintos e 75 mil toneladas de carne (Figura 3).
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Figura 3 – Números de programa de melhoramento genético de frangos e para o Brasil.
O desempenho da cadeia produtiva depende da qualidade de inúmeros insumos, do conhecimento para o seu uso e da competência da gestão. Sobre o impacto dos insumos, atribui-se às linhagens melhoradas a significativa contribuição de 10 a 30% nos resultados dos lotes sendo que entre 70 e 90% dependerão da sanidade, alimentação, ambiência e manejo das aves (Neeteson et al., 2016). O preço do pinto de um dia representa 13% do custo total de produção do frango posto na indústria, a segunda maior participação, após os 76% do item alimentação. Os demais itens contribuem entre 1 e 2% no custo total (Figura 4).
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Figura 4 – Participação de cada item no custo do quilograma do frango posto na indústria, baseada nos valores médios de jan 2021 a fev de 2022.
O preço do pinto comercial resulta do seu custo de produção, da margem de lucro desejada pela empresa, da sua qualidade frente aos concorrentes no mercado, da taxa de câmbio, dos impostos e taxas e dos custos de importação das linhas puras. Os preços e o desempenho técnico e econômico das linhagens melhoradas variam ao longo do tempo, sendo continuamente avaliadas pelos usuários pois influem positivamente nos demais processos produtivos e são fundamentais para a economia das empresas da carne. Uma estimativa dos ganhos pode ser feita a partir da produção de frangos do Brasil, que segundo projeções deve ser perto de 14,85 milhões de toneladas com um valor bruto da produção de R$ 116,3 bilhões. Uma redução de 2% na conversão alimentar, considerando o valor da ração consumida de R$ 79,6 bilhões, proporciona uma economia de R$ 1,6 bilhões. Outra relevância do progresso técnico da avicultura brasileira se dá pela redução do consumo de milho e farelo de soja e da necessidade de área para plantio dessas culturas, poupando terras e contribuindo na preservação ambiental (TALAMINI; VILASBOAS, 2021).
Experiências brasileiras na genética de aves
O governo militar tinha forte disposição de apoiar a indústria nacional com o objetivo gerar empregos e reduzir a dependência de importações. Em alguns casos, era usado o forte e inquestionável argumento de que a produção de algum produto era questão de “segurança nacional”, que serviu, inclusive, para incentivar os programas de melhoramento genético de aves no Brasil. Butolo (2008) apresenta uma ampla análise da evolução e das estratégias do Brasil na avicultura e na área da genética. Segundo ele, a partir da década de 60 começaram a surgir no Brasil as primeiras empresas de genética de aves, a grande maioria localizadas no Rio de Janeiro, as quais dedicavam-se à importação e multiplicação de linhagens melhoradas, mais produtivas que as existentes no país. As empresas dedicadas ao melhoramento genético de aves contavam com o apoio técnico e financeiro do governo federal. Numa etapa seguinte, a Granja Guanabara decidiu desenvolver seu próprio programa de melhoramento avícola e conseguiu lançar em meados de 1972 as aves “verdeamarelas” compostas pela G-307 (ovos brancos), G-505 (ovos castanhos) e G190 (frango de corte). Segundo Butolo, apesar de toda a ajuda governamental, o programa genético da Granja Guanabara fracassou “por motivos como doenças e falta de um plantel multiplicador mais expressivo”, acumulando enormes dívidas com financiamentos e tributos. Visando auxiliar na solução dos problemas da referida empresa e propor alternativas para a continuidade dos programas de melhoramento de aves de corte e postura no Brasil, o Ministério da Agricultura criou um Grupo de Trabalho (GT), por meio da Portaria 126. O GT realizou os estudos e concluiu um detalhado relatório técnico e financeiro, sugerindo que o patrimônio da Granja Guanabara fosse assumido pelo Governo Federal para amortizar as dívidas da empresa. Essa recomendação foi aceita e, na sequência, as linhagens genéticas, áreas de terra e instalações foram absorvidas pelo Governo Federal e posteriormente repassadas para o CNPSA (Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves) da Embrapa com o objetivo de prosseguir e concretizar a obtenção de linhagens brasileiras de aves. Segundo o relatório, “Em assim procedendo, além dos benefícios de ordem técnico-econômicas, estar-se-ia impedindo que se consolidem ideias difundidas amplamente pelos representantes de empresas estrangeiras, de que os países em desenvolvimento seriam incapazes de desenvolver e conduzir com sucesso programas desta natureza”. O relatório recomendava a conclusão das instalações planejadas para a moderna granja, erradicar os problemas sanitários, restabelecer os processos de multiplicação, seleção e avaliação e transferir o empreendimento para a iniciativa privada. Devido a dificuldades gerenciais, financeiras e operacionais as linhagens e instalações foram transferidas para o CNPSA, em Concórdia (SC) visando a continuidade dos trabalhos. Algumas linhagens chegaram a ser lançadas pela Embrapa, sem, contudo, conquistar parcela significativa do mercado genético de aves de corte e postura. Esse foi um dos principais investimento e esforço para posicionar o Brasil como produtor de linhagens genéticas. Outros programas foram conduzidos por muitos anos na universidade de Viçosa e na ESALQ, Piracicaba, entre outras, sem êxito na obtenção de linhagens comerciais competitivas. Ressalta-se, contudo, que a partir dessas experiências o Brasil formou recursos humanos e criou competência técnica para o desenvolvimento de linhagens nacionais. Essa capacitação é decisiva caso alguma situação excepcional levante barreiras de acesso ao material genético importado. Essa breve abordagem procura mostra a complexidade de empreendimentos na área de genética avícola. Pequenas diferenças de desempenho das linhagens podem causar vultuosas perdas econômicas nas indústrias. Estas sempre buscam as marcas comerciais de melhor resultado, o que acirra a concorrência, dificulta a entrada e a permanência no mercado de empresas com produtos menos competitivos. Essa apresentação não tratou de outros mercados, como os da avicultura alternativa, onde diversas linhagens nacionais e importadas participam com algum grau de sucesso.
Esse artigo foi originalmente publicado em Conferência Facta Avicultura 2022 | https://www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/1143655/1/final9942.pdf. Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.

BUTOLO, J. E. (2008). Aves de corte. In: ALBUQUERQUE, A. C. S.; SILVA, A.
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Autores:
Dirceu Talamini
Embrapa Suínos e Aves
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