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Qualidade do leite produzido por vacas holandesas mantidas em pastagem de coast-cross suplementada com concentrado

Publicado: 5 de agosto de 2005
Por: Duarte Vilela, João Cesar de Resende e Rui da Silva Verneque, Embrapa Gado de Leite, MG, e Josiane Aparecida de Lima, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Nutrição Animal e Pastagens, Instituto de Zootecnia, Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios -APTA-, SP.
Sumário

O objetivo foi avaliar a qualidade do leite produzido por vacas Holandesas mantidas em pastagem de coast-cross (Cynodon dactylon (L.) Pears) fertilizada, irrigada estrategicamente e suplementada diariamente com 3 ou 6 kg de concentrado/vaca (19,5% de PB). Os dados foram coletados durante três anos consecutivos (outubro/2000 a outubro/2003), envolvendo 108 lactações. Adotou-se o delineamento experimental em blocos ao acaso com duas repetições de área por tratamento, sendo utilizados nove animais por área e dezoito por tratamento, com taxa de lotação fixa de cinco vacas ha-1. Utilizou-se o sistema de pastejo com lotação rotacionada, com um dia de ocupação dos piquetes e 25 e 35 dias de descanso, nas épocas de chuvas e seca, respectivamente. O pasto foi irrigado nos meses de menor precipitação e fertilizado com NPK (20-05-20), distribuído a lanço em seis aplicações anuais. As produções médias diárias de leite por vaca (corrigida para 3,5% de gordura) foram de 16,09 e 19,50 kg, para os níveis de concentrado de 3 e 6 kg/vaca/ dia, respectivamente. Os valores de proteína do leite também diferiram em função dos níveis de concentrado, registrando teores de 2,97 e 3,17%, respectivamente. Por outro lado, os níveis de gordura, lactose, uréia, sólidos totais e células somáticas do leite não foram influenciados pelos níveis de concentrado (3 e 6 kg de concentrado/vaca/dia), indicando que a qualidade do leite situa-se dentro dos padrões normais exigidos pela legislação para utilização na indústria ou para consumo na forma fluida.

Palavras-chave: Células somáticas, Cynodon, lotação rotacionada, uréia.

 

INTRODUÇÃO
A cadeia produtiva do leite vem se reestruturando não só em termos de produtividade, mas, também, na questão da sustentabilidade ambiental, econômica e, principalmente, quanto à qualidade do produto, que vem sendo cada vez mais exigida pelos consumidores e pela indústria, existindo preços diferenciados no mercado para premiála - indicada pelos níveis adequados de proteína, gordura, análises bacteriológicas e células somáticas.
A demanda por qualidade e a baixa margem de lucro da atividade passaram a ser determinantes da necessidade de gerar produtos de qualidade superior e a baixo custo. O leite é um produto natural que contém componentes que são sintetizados pela glândula mamária a partir de nutrientes derivados da digestão e metabolismo da dieta. Entre estes componentes incluem-se a caseína, a lactoalbumina, a lactoglobulina, a lactose e lipídios. Outros componentes que são derivados diretamente da dieta incluem minerais, vitaminas e alguns ácidos graxos de cadeia longa. Cada componente do leite pode, em diferentes graus, ser influenciado pelo estado nutricional da vaca, pois a qualidade dos alimentos afeta a composição e quantidade do leite. Conforme TEIXEIRA e SANTOS (2001), 45% da variação na composição do leite é devido a fatores ambientais e 55% devido à hereditariedade. O manejo nutricional é, portanto, um fator determinante da qualidade, mas deve atender às necessidades nutricionais a custos compatíveis com a rentabilidade da exploração.
Entre as estratégias para maximizar a produção e a qualidade do leite está o fornecimento de forragem de alta qualidade e com níveis adequados de nutrientes. Em virtude de a proteína ser um dos ingredientes mais caro da dieta, a rentabilidade da produção leiteira é altamente dependente da eficiência de sua utilização. Esta é uma das razões pela qual tem crescido o interesse pela utilização estratégica da pastagem, buscando, via concentrado, evitar deficiências de nutrientes importantes para o metabolismo (DAVIDSON, 1990).
Desenvolveu-se o presente estudo com o objetivo de avaliar a qualidade do leite produzido por vacas da raça Holandesa, mantidas em pastagem de coast-cross, buscando identificar também a melhor estratégia de suplementação concentrada, tendo como suporte a hipótese da intensificação da produção de leite via pastagem, com utilização de forrageira de alto valor nutritivo e adaptada ao ambiente da Região Sudeste do Brasil.
 
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi implantado na base física da Embrapa Gado de Leite, em Coronel Pacheco, na Zona da Mata de Minas Gerais (21º 33' 22'' de Latitude Sul e 43º 6'15'' de Longitude Oeste). O clima é do tipo Cwa (mesotérmico), com verão chuvoso e inverno seco, precipitação média anual de 1.500 mm, distribuídos de forma irregular.
O experimento foi implantado em uma área de sete hectares de pastagem de Cynodon dactylon cv. coast-cross, manejada em sistema de pastejo sob lotação rotacionada, utilizando-se 5 vacas ha-1, com um total de 36 animais da raça Holandesa, com peso vivo médio de 550 kg e potencial de produção de 6.000 a 6.500 kg/lactação. As vacas foram divididas em quatro grupos de nove animais, com duas repetições de área por tratamento. Foram mantidos nove animais por área e 18 por tratamento. Cada grupo teve à disposição 26 piquetes na época de chuvas e 36 na época seca de, aproximadamente, 470 m2, divididos por meio de cerca elétrica. O período de ocupação foi de um dia e o descanso de 25 a 35 dias, dependendo da estação do ano. Os dados foram coletados por um período de três anos consecutivos (outubro/2000 a outubro/2003), cobrindo 108 lactações.
Cada piquete foi fertilizado com uma tonelada de fertilizante formulado (20-05-20), distribuído a lanço nos piquetes e parcelado em seis aplicações ao longo do ano. Nos meses com precipitação inferior a 10 mm, a pastagem foi irrigada, utilizando para isto um conjunto de irrigação convencional com vazão total de 60 m3 hora-1, movido a energia elétrica. O sistema de irrigação consistiu em um conjunto moto-bomba, uma linha principal com tubulações metálicas de quatro polegadas de diâmetro e duas linhas secundárias de três polegadas. Em cada uma das linhas secundárias foram instaladas 15 aspersores com vazão de 4,0 m3 hora-1, sendo uma destas linhas funcionando como espera. Os aspersores foram distribuídos em um espaçamento de 24x18 m, com tubos de subida de um metro de altura apoiados em tripés metálicos. As irrigações foram realizadas após a passagem dos animais pelos piquetes e após as adubações de cobertura. Os intervalos de irrigações foram indicados por meio de tensiômetros de cápsulas porosas, estrategicamente instalados na área, procurando-se manter a umidade do solo com 60 a 65% de água disponível. A quantidade de água fornecida em cada irrigação foi estabelecida por meio da expressão:
LB = ( cc - f ) Pr.da.10/Ef
onde: LB= lâmina bruta de água a ser aplicada (mm); cc= capacidade de campo (g de água g-1 de solo); f= teor de umidade do solo à tensão de – 6 a – 7 atm. (g água g-1 solo); Pr = profundidade efetiva do sistema radicular (cm); da = densidade aparente do solo (g solo cm-3); Ef = eficiência do sistema de irrigação.
Para avaliação qualitativa da forragem disponível nas pastagens, partes foram cortadas antes (forragem disponível) e após o pastejo (forragem residual), a 8 cm acima do nível do solo, e retirada do interior de um quadrado de um metro de lado, lançado ao acaso por três vezes em cada piquete. Toda a vegetação com altura inferior a 8 cm foi desconsiderada. Assim, a qualidade da forragem foi estimada (SILVA, 1990) em termos de proteína bruta, fibra em detergente neutro e digestibilidade in vitro da matéria seca (Quadro 1). Os animais tinham livre acesso a água e sombra artificial, que foi construída com folhas de sombrite.
 
Quadro 1. Teores médios de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), fibra em detergente neutro (FDN) e digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) do pasto de coast-cross (médias de três anos de avaliação).
Qualidade do leite produzido por vacas holandesas mantidas em pastagem de coast-cross suplementada com concentrado - Image 1
 
Cada vaca recebeu por dia 3,0 ou 6,0 kg de um concentrado formulado à base de milho moído (62%), soja integral tostada (35%), mistura mineral (2%) e calcário calcítico (1%). A análise deste concentrado mostrou a seguinte composição: proteína bruta, 19,5%; proteína degradável no rúmen, 9,3%; e nutrientes digestíveis totais, 86%. O concentrado foi fornecido durante as ordenhas (7:00 e 15:00 horas). Após ordenhadas, as vacas eram novamente levadas para os piquetes.
Na época seca, compreendida entre os meses de maio a setembro, quando a disponibilidade de forragem esteve abaixo de quatro toneladas de MS ha-1, suplementou-se a pastagem com silagem de milho (33% de MS), na quantidade diária de 17 kg por vaca, o equivalente a 5,6 kg de matéria seca. Esta suplementação, entretanto, só foi necessária em 2003, último ano de avaliação. Os dados foram apresentados de forma agregada, ou seja, não foram separados por ano, uma vez não ter ocorrido diferença estatística entre anos.
A produção de leite foi medida e registrada diariamente. O critério adotado para secagem das vacas foi de 60 dias antes da data prevista para o parto ou antes disto, quando a produção de leite atingia nível inferior a 4 kg dia-1. A produção foi corrigida para 3,5% de gordura (PLC) por meio de equação sugerida por SKALAN et al. (1992) que estabelece o seguinte:
PLC = (0,432 + 0,1625 x G) x produção de leite; sendo G a % de gordura do leite.
As variáveis avaliadas e registradas semanalmente para o leite foram: proteína, gordura, lactose, uréia, sólidos totais e contagem de células somáticas (CCS). Os teores de proteína e gordura foram determinados conforme metodologia descrita por SILVA (1990), e a lactose e a uréia foram determinadas conforme metodologia descrita por SILVA et al. (1997). Para contagem das células somáticas, as amostras foram transferidas diretamente do medidor para os frascos de coleta que continham Bronopol® (2- bromo-2-nitropropano-1,3-diol) como conservante. Em seguida foram homogeneizadas durante pelo menos 15 segundos e encaminhadas para determinação da CCS no Laboratório de Qualidade do Leite da Embrapa Gado de Leite. A CCS foi estimada por citometria de fluxo pelo equipamento Somacount® (Bentley Instruments).
Utilizou-se o delineamento experimental de blocos casualizados, com duas repetições de área e dois tratamentos (6,0 e 3,0 kg de concentrado por vaca), e o critério adotado para formação dos blocos foi a época de parição. Os animais apresentaram uniformidade quanto ao nível de produção de leite quanto ao peso vivo, não justificando separação por blocos para estas variáveis. Fez-se a análise de variância por meio do pacote estatístico SAS (SAS, 1996).
 
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Quadro 2 são apresentadas as produções diárias de leite, sem e com correção para 3,5% de gordura e no Quadro 3 encontram-se os valores referentes aos teores médios de proteína, gordura e lactose do leite.
Foi observada diferença (P<0,01) entre os tratamentos somente para o teor de proteína; no entanto, esta diferença foi de apenas 0,2 unidades percentuais a mais no teor proteico do leite produzido pelos animais que receberam 6 kg dia-1 de concentrado. FREDEEN (1996) e KENNELLY e GLIMM (1998) observaram que aumentos no consumo de concentrado acima de 50% da matéria seca resultaram em aumentos nos teores de proteína do leite. No presente estudo provavelmente houve substituição parcial no consumo de matéria seca do pasto, em razão do maior consumo de concentrado por parte dos animais que receberam 6 kg diários de concentrado, em relação aos que receberam 3 kg, resultando em maior teor protéico no leite.
De acordo com ROSELER et al. (1993), a produção de proteína do leite está diretamente relacionada ao patamar de produção da vaca. Isto se confirmou neste estudo, no qual foram observadas produções (corrigidas a 3,5% de gordura) de 16,09 e 19,50 kg de leite/vaca/dia (Quadro 2), para um consumo diário de 3 ou 6 kg de concentrado, respectivamente. O maior consumo das vacas que receberam 6 kg de concentrado pode ter permitido o maior crescimento da flora microbiana do rúmen. Segundo MAIGA e SCHINGOETHE (1997), o crescimento microbiano no rúmen é desejável, pois fornece aminoácidos para as células mamárias, sendo tais aminoácidos necessários para a síntese de proteína do leite. Durante a fermentação, as bactérias ruminais geram compostos nitrogenados e carbonados que abastecem a maior parte dos aminoácidos usados na síntese de proteína do leite. Em adição, a produção de ácido propiônico durante a fermentação ruminal também é uma forma de contribuir para a síntese proteica do leite (SANTOS et al., 2001). De fato, o aumento no teor de proteína do leite está diretamente envolvido com o consumo de concentrado, o qual causa aumento na produção de ácido propiônico no rúmen, que por sua vez aumenta a disponibilidade de aminoácidos para a glândula mamária, pela sua menor utilização no processo de neoglucogênese (DERESZ, 2001).
 
Quadro 2. Produção de leite, sem e com correção para 3,5% de gordura, de vacas Holandesas mantidas em pastagem de coast-cross, recebendo 3 ou 6 kg de concentrado/vaca/dia (média de três anos consecutivos).
Qualidade do leite produzido por vacas holandesas mantidas em pastagem de coast-cross suplementada com concentrado - Image 2
 
Quadro 3. Valores médios de proteína, gordura e lactose do leite produzido por vacas Holandesas mantidas em pastagem de coast-cross por três anos consecutivos e recebendo por dia 3 ou 6 kg de concentrado.
Qualidade do leite produzido por vacas holandesas mantidas em pastagem de coast-cross suplementada com concentrado - Image 3
 
O Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – RIISPOA (Brasil, 2002) exige valores de proteínas acima de 2,9%. Portanto, a média de proteína do leite oriundo dos dois tratamentos (3 ou 6 kg de concentrado) atende à exigência mencionada.
Não foi observada diferença (P>0,01) para o teor de gordura do leite, com o aumento da ingestão de concentrado. De acordo com o artigo 476 do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem animal – RIISPOA, considera-se leite normal o produto que apresenta, entre outros, teor mínimo de gordura de 3,0%. O leite produzido neste estudo atende perfeitamente tal exigência, pois manteve valor médio de 3,57%.
Cada componente do leite pode, em algum grau, ser influenciado pelo estado nutricional da vaca. Sendo assim, a nutrição pode ser considerada como responsável por 50% da variação no conteúdo de gordura e de proteína do leite. FREDEEN (1996) diz, no entanto, que para o teor de lactose ocorre pouca alteração, fato também observado no presente estudo. Dos três principais componentes do leite (proteína, gordura e lactose), a lactose foi a que menor alteração sofreu em função dos tratamentos, com diferença de 0,02 unidades percentuais, mantendo valor médio de 4,40% e atendendo as exigências do RIISPOA, que exige uma lactose mínima de 4,3%.
As médias relativas à uréia, sólidos totais e contagem de células somáticas (cs) encontram-se no Quadro 4.
 
Quadro 4. Valores médios de uréia, sólidos totais e contagem de células somáticas (cs) do leite produzido por vacas Holandesas mantidas em pastagem de coast-cross por três anos consecutivos, recebendo 3 ou 6 kg de concentrado/dia.
Qualidade do leite produzido por vacas holandesas mantidas em pastagem de coast-cross suplementada com concentrado - Image 4
 
Não foram observadas diferenças (P>0,01) entre os níveis de concentrado para nenhuma destas variáveis. Segundo Jobim e Santos (2000), os valores médios de uréia no leite enquadram-se na faixa de 12 a 18 mg dL-1. Sendo assim, os valores obtidos neste estudo estão um pouco abaixo destes limites. As concentrações de uréia, tanto no plasma sangüíneo como no leite, são considerados bons indicadores do metabolismo energia/proteína em vacas leiteiras e, atualmente, são utilizadas como ferramentas para avaliação de dietas (MOURO et al., 2002). Concentração mais elevada de uréia sugere um desequilíbrio na suplementação, com excesso de proteína e, neste caso, a ingestão de matéria seca não está em níveis adequados (TORRENT, 2000). Segundo BAKER et al. (1995), os fatores nutricionais que favorecem altos níveis de uréia no leite são o excesso de nitrogênio degradável no rúmen, o aumento dos níveis de proteína que chegam aos compartimentos pós-ruminais, ou a falta de sincronização nas taxas de degradação ruminal entre as fontes de nitrogênio e energia da dieta. Deduz-se, portanto, que não houve ingestão excessiva de proteína pelos animais e que a ingestão de matéria seca foi proporcional às necessidades, indicando que os níveis de concentrado não interferiram no metabolismo do nitrogênio de vacas com produção de até 19 kg de leite dia-1. Em função da qualidade da alimentação dos animais, tanto pela forragem disponível, independentemente da estação do ano (Quadro 1), quanto pelo concentrado, pode-se deduzir também que não houve falta de proteína na dieta dos animais.
Os teores de sólidos totais, com valor médio de 11,96%, estão de acordo com as exigências do RIISPOA, que determina um mínimo para esta variável de 11,50%, assim como o teor médio de sólidos não-gordurosos (8,40%), obtido subtraindo-se o teor de gordura do leite do teor de sólidos totais, o que também atende à Instrução Normativa n° 51 do Mapa, que entrará em vigor a partir de julho de 2005 para as Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do País.
A mastite (clínica e subclínica) é um dos principais fatores que interferem na qualidade do leite. A principal mudança em decorrência dessas enfermidades é o aumento das células somáticas, que indicam o estado sanitário do úbere. Segundo LANGONI (2000), as células somáticas do leite são os leucócitos, incluindo-se monócitos, linfócitos, neutrófilos e macrófagos, além das células de descamação do epitélio glandular. Essas células possuem funções de combate aos microrganismos nas infecções da glândula mamária e de reparação do tecido secretor lesado. Os leucócitos, que representam até cerca de 70% das células somáticas, surgem como resposta a uma infecção, sendo mobilizados para combater os microrganismos responsáveis. Normalmente, estão em número reduzido no leite; por isso, quando em altas contagens indicam infecção da glândula mamária; já as células epiteliais, de menor importância, são provenientes da descamação natural do tecido secretor do úbere (RABELO, 2003). A contagem de células somáticas em leite normal, produzido por animais sadios, é normalmente menor que 3 x 105 cs mL-1 de leite. Qualquer aumento nesse valor indica condição anormal do úbere (LARANJA DA FONSECA e SANTOS, 2000). Para Brito e Brito (1998), esse valor varia de 5 x 104 a 1 x 105 cs mL-1 de leite. Segundo esses mesmos autores, contagens acima de 2,5 x 105 cs mL-1 de leite permitem assegurar, com 80% de certeza, a presença de infecção na glândula mamária. Para WALSTRA e JENESS (1987), um leite normal contém de 5 x 104 a 5 x 105 cs mL-1 de leite e, segundo DELLA LIBERA (1998), o limite de 4 x 105 ou 5 x 105 cs mL-1 de leite inclui muitos animais com mastite.
Considerando estes valores, pode-se afirmar que o leite produzido no presente estudo, para ambos os níveis de concentrado (3 ou 6 kg de concentrado), ficou acima do nível máximo de 5 x 105 cs mL-1 de leite, mencionado por WALSTRA e JENESS (1987); contudo, atendem os níveis máximos estabelecidos pela IN/51, de 1 x 106 cs mL-1 de leite. Apesar das citações, o Brasil ainda não dispõe de norma regulamentar oficial neste sentido. O pouco que existe são iniciativas de empresas privadas em programas de incentivo à qualidade do leite restrito ao universo de seus fornecedores. Essa situação poderá se modificar em função da entrada em vigor das Novas Normas de Lácteos, prevista anteriormente para 2001, mas postergada para julho de 2005, na forma da IN/51. Neste caso, o Regulamento Técnico de Produção, Identidade e Qualidade dos Leites tipo "A e B" determina um máximo de 6 x 105 cs mL-1, enquanto o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Leite Cru Refrigerado amplia esse limite para 1 x 106 cs mL-1. Nesse sentido, o leite produzido na presente pesquisa, com valor médio de 687 x 103 cs mL-1, satisfaz a esta última condição, indicando um produto de qualidade aceitável para consumo.
Os valores obtidos neste estudo (Quadros 3 e 4) são condizentes com os valores obtidos por VILELA et al. (2003) e MOTA et al. (2004) para as variáveis referentes à qualidade do leite de vacas mantidas em pastagem de coast-cross, recebendo diariamente 3 ou 6 kg de concentrado/vaca, ou seja, proteína (3,01 e 3,20%; 2,97 e 3,16%), gordura (3,77 e 3,66; 3,50 e 3,35%), lactose (4,39 e 4,37%; 4,36 e 4,31%), sólidos totais (12,08 e 12,16%; 11,57 e 11,73%) e contagem de células somáticas (580 e 721 cs mL-1; 445 e 843 cs mL-1), respectivamente.
Os resultados das análises do leite obtidos neste estudo (Quadro 3 e 4) estão dentro da faixa de valores recomendados pelo regulamento de Inspeção Industrial de Produtos de Origem Animal, indicando que o leite de vacas Holandesas mantidas em pastagem de coast-cross, recebendo 3 ou 6 kg de concentrado dia-1, não teve as características alteradas, sendo, portanto, considerado adequado e dentro da legislação, podendo ser utilizado pela indústria de laticínios para consumo.
Não foi observada diferença (P>0,01) para o escore corporal dos animais, sendo os valores de 2,62 e 2,71, respectivamente para os animais que receberam 3 e 6 kg de concentrado. Este fato permite inferir que o consumo de nutrientes foi suficiente para atender às exigências para mantença, produção e reprodução das vacas.
 
CONCLUSÕES
O fornecimento de 3 ou 6 kg de concentrado/ vaca/dia, pode seguramente ser utilizado, sem qualquer prejuízo às características qualitativas do leite de vacas Holandesas, mantidas durante o ano todo em pastagem de Cynodon dactylon cv. coast-cross, atendendo aos padrões regulamentares vigentes.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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***O trabalho foi originalmente publicado no Boletim da Indústria Animal (BIA), do Instituto Zootecnia (IZ/APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo, Brasil.
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