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Sistemas de terminação de bovinos de corte e pecuária sustentável: Adequações ao mercado interno e externo

Publicado: 25 de outubro de 2013
Por: Fernando Sampaio, Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" -ESALQ-, Universidade de São Paulo -USP-, SP, e diretor executivo e coordenador de sustentabilidade, e Maria Gabriela de Oliveira Tonini, Médica Veterinária pela Universidade Estadual Paulista -UNESP-, SP, e mestre em administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto -FEARP-, USP, SP, coordenadora técnica da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes -ABIEC-.
A pecuária faz parte da história do Brasil, e desde que os colonizadores portugueses a introduziram como atividade econômica no Nordeste do País, a pecuária tem sido uma aliada na formação das fronteiras e no desenvolvimento do interior do país.
Durante o início da colonização, os currais nos vales do São Francisco e outros rios nordestinos tornaram-se centros econômicos de fundamental importância.
No Século XIX, o pólo pecuário migrou para a região sul, cujo clima ameno e os pampas eram propícios para a produção do gado europeu então criado no país. O Rio Grande do Sul torna-se, nesta época, o grande fornecedor de charque e couro para o resto do país.
Foi a introdução do gado zebuíno no início do século XX, no entanto, que deu o grande impulso à pecuária brasileira.
Sua adaptação ao clima tropical e resistência fez com que o rebanho brasileiro se multiplicasse e conquistasse o centro-oeste do país.
A grande disponibilidade de novas áreas, assim como as pesquisas agropecuárias, com a introdução de gramíneas exóticas e melhoras na nutrição e sanidade, fizeram com que o rebanho brasileiro mais do que dobrasse entre 1970 e 2010.
A interiorização do país após a construção de Brasília e as grandes obras de infra estrutura planejadas por sucessivos governos brasileiros e destinadas a levar desenvolvimento e a promover a ocupação do território em regiões virtualmente desabitadas contribuíram para impulsionar tanto a pecuária como a indústria para o oeste e o norte do país.
Observe na figura 1 o crescimento do rebanho bovino brasileiro entre 1970 e 2010.
 
Figura 1. Crescimento do rebanho bovino brasileiro entre 1970 e 2010.
Sistemas de terminação de bovinos de corte e pecuária sustentável: Adequações ao mercado interno e externo - Image 1
 
Com uma pecuária crescente e evoluída, o Brasil tornou-se um grande produtor e o maior exportador de carne bovina do mundo. Posição que conquistou em poucos anos, tomando o mercado que era da Europa na Rússia e no Oriente Médio e beneficiando-se de um aumento de consumo crescente no mundo.
Em um mundo urbanizado, em crescimento tanto econômico como populacional, é certo que a demanda por carne aumentará nas próximas décadas. A grande questão é onde e como esta carne demandada poderá ser produzida de forma sustentável.
A crise financeira que iniciou-se no final de 2008 causou em 2009 uma queda acentuada do comércio internacional devido à falta de crédito, com conseqüências como um aumento do protecionismo em alguns mercados.
No entanto, superada a crise, a demanda de carnes voltou a crescer principalmente nos mercados dos países em desenvolvimento.
Em seu Long Term Meat Studies, o GIRA, consultoria internacional especializada no mercado de carnes, estima que até 2020 o consumo de carne bovina no mundo crescerá em 3,683 milhões de toneladas (equivalente carcaça).
O GIRA também identifica o Brasil como sendo um dos grandes beneficiários desse aumento de demanda, principalmente por ter, dentre os países exportadores, o maior potencial para aumentar sua produção. No entanto, para que este benefício se concretize, o país terá que resolver seus grandes entraves: o câmbio, a logística e a sensibilidade dos mercados com relação à sustentabilidade.
Não é nosso objetivo aqui discorrer sobre a questão cambial e os gargalos que o Brasil enfrenta na sua malha logística. Mas podemos esclarecer alguns aspectos sobre os desafios que enfrentamos na área da sustentabilidade.
Com as discussões internacionais sobre mudanças climáticas e a preservação da biodiversidade, o tema da sustentabilidade está definitivamente inserido nas agendas públicas e privadas em todo o planeta.
Em 2050 teremos uma população com 3 bilhões de pessoas a mais do que temos hoje. A renda per capita será 2,9 vezes maior, o que fará com que o consumo seja o dobro do que é hoje.
Com as crescentes preocupações mundiais em torno de mudanças climáticas, preservação de biodiversidade e superpopulação, e observando nosso histórico de ocupação do território, a grande dúvida que paira é sobre a capacidade brasileira de produzir e abastecer um mercado mundial de forma sustentável, e quando falamos em sustentabilidade precisamos abordar 3 pontos:
- a mudança do uso da terra, ou seja, a pecuária como vetor de desmatamento;
- as emissões;
- o uso de água.
Em relação ao desmatamento, é fato que nos últimos 50 anos a fronteira agrícola brasileira seguiu uma lógica de ocupação do território nacional ditada e incentivada por sucessivos governos brasileiros movendo-se para o oeste e norte do país. Hoje, com a fronteira às bordas da floresta amazônica tenta-se reverter este processo.
O Brasil tem hoje cerca de 158 milhões de hectares de pastagens que correspondem a 18% de seu território, onde produz com 205 milhões de cabeças cerca de 9,3 milhões de toneladas de carne.
Observando as taxas de ocupação e a área de pastagens no Brasil, verificamos que longe de ocupar novas áreas hoje, a pecuária está na verdade cedendo áreas para a agricultura.
 
Figura 2. Área de pastagens (hectares) e ocupação bovina em cabeças por hectares.
Sistemas de terminação de bovinos de corte e pecuária sustentável: Adequações ao mercado interno e externo - Image 2
 
Modelos matemáticos elaborados pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais prevêem que nos próximos 30 anos, culturas como soja, algodão, cana de açúcar, eucalipto e outras irão precisar de 14,9 milhões de hectares extra no Brasil para suprir a demanda dos mercados interno e de exportação. Por razões econômicas, mais de 10 milhões de hectares serão antigas áreas de pastagens liberadas pelo ganho de eficiência da pecuária.
Os outros virão de fronteiras agrícolas em terras aráveis no Cerrado, e não na Amazônia onde a legislação e o custo da abertura de novas áreas tornam o avanço da fronteira antieconômica. Com maior presença do Estado e técnicas de sensoriamento remoto, as taxas de desmatamento vêm caindo ano a ano na Amazônia atingindo recorde de baixa em 2010.
De 1975 a 2007 segundo a FAO, o Brasil aumentou sua produção de carne em 227% para um aumento de área de pastagens de apenas 4%. O resto do mundo aumentou a produção de carne bovina em apenas 37% para um aumento de área de pastagens de 6%. Somente nos últimos 10 anos, a lotação em cabeças por hectare aumentou em 25,5%, sendo que neste espaço de tempo a pecuária cedeu mais de 4 milhões de hectares para a agricultura. Ainda assim, o potencial de crescimento da nossa produtividade é imenso.
A chave para que isto aconteça está no uso de tecnologia, e o Brasil conseguiu desenvolver uma tecnologia única no mundo em agropecuária tropical.
Observando os índices de produção do Brasil comparados a outros países, notamos que o Brasil não tem uma área de pastagens excessiva comparada à extensão de seu território.
Também notamos que nossa produção de carne por hectare não é ruim em comparação com outros países, embora dadas as condições naturais que temos, ela possa ser melhorada.
No entanto, nossa produção de carne comparada ao tamanho de nosso rebanho é muito pequena, e aí temos muito espaço para melhorar.
Com tecnologia, tanto a área de pastagens pode ser melhor aproveitada através de maior lotação, como o rebanho pode ser melhor aproveitado com melhores taxas de desfrute, ganho de peso, peso de carcaça, fertilidade e idade de abate.
Os avanços em genética zebuína, a introdução e o melhoramento das gramíneas africanas, os estudos com correção e fertilização de solos que possibilitaram a conquista do Cerrado, os estudos com a mineralização de rebanhos e suplementação nutricional, a vacinação e os avanços em medicamentos e ciência veterinária, inseminação artificial e cruzamentos industriais e mais recentemente os estudos com pastejo rotacionado e integração lavoura-pecuária-floresta são alguns exemplos de técnicas que possibilitaram e ainda podem possibilitar um extraordinário avanço da pecuária nacional.
Como um desejável efeito colateral, com a intensificação da pecuária, as emissões de gases de efeito estufa também são automaticamente mitigadas.
Emboram existam muitas incertezas científicas nos dados sobre emissões e na sua metodologia de cálculo, segundo estudo do Prof. Paulo Mazza da FMVZ da USP, de 1988 a 2007 o Brasil reduziu em 29% as emissões de metano por quilo de carne produzida, a maior redução dentre os grandes países produtores.
 
Figura 3. Porcentagem de redução de emissões em quilos de metano por quilo de carne produzida entre 1988 e 2008.
Sistemas de terminação de bovinos de corte e pecuária sustentável: Adequações ao mercado interno e externo - Image 3
 
Ao mesmo tempo, as pastagens sob manejo intensivo convertem o solo em sumidouro de carbono pelo acúmulo de matéria orgânica.
O Brasil tem hoje um ativo ambiental muito grande comparado ao resto do mundo. Nossa matriz energética é 47,3% oriunda de fontes renováveis. O resto do mundo usa apenas 12,7% de energia de fontes renováveis.
Temos preservados 85% da Amazônia, 87% do Pantanal (com 200 anos de pecuária), 63% da Caatinga, 60% do Cerrado, 41% dos Pampas e 26% da Mata Atlântica. A Europa tem 0,3% de suas florestas originais preservadas.
Temos também uma disponibilidade de água renovável per capita maior do que outras regiões produtoras de carne do mundo.
O mercado de carnes que se desenha no futuro é uma promessa de riqueza extraordinária para as futuras gerações desse país, uma riqueza que pode ser conseguida ao mesmo tempo em que nossos recursos são preservados.
O verdadeiro desafio do Brasil para conseguir esta façanha está em democratizar o acesso à tecnologia e conhecimento que já existem disponíveis no país, e que, no entanto, estão ainda indisponíveis para um universo muito grande de produtores.
 
Referências bibliografias
Associação Brasileira das Empresas Exportadoras de Carnes (ABIEC). Disponível em <http://www.abiec.com.br>. Acesso em: julho de 2011.
Bigma Consultoria. Banco de dados. Disponível em <http://www.bigmaconsultoria.com.br>. Acesso em julho de 2011.
Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). Disponível em: <http://www.fao.org>. Acesso em junho de 2011.
Fortes, G. (2003). Raízes da pecuária. 1ª edição, DBA Editora. São Paulo – SP. Fortes, G. e Yassu, F. (2009). O milagre do boi brasileiro. 1ª edição, Publique. São Paulo – SP.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em julho de 2011.
Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). Disponível em: <http://www.iconebrasil.com.br>. Acesso em julho de 2011.
International Meat Secretariat (IMS – GIRA). World Meat Facts Book. 2010.
Mazza Rodrigues, P. H. e Meyer, P. M. Evolução da produção de metano entérico pelos principais países exportadores de carne bovina nos últimos 20 anos.
***O trabalho foi originalmente publicado por 8º Congresso Brasileiro de Raças Zebuínas - Simpósio “Pecuária Tropical Sustentável: Inovação, Avanços Técnico-Científicos e Desafios.
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Autores:
Fernando Sampaio
USP -Universidade de São Paulo
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Romão Miranda Vidal
26 de diciembre de 2013

Vamos então concordar com os autores. Mas vamos nos permitir sugerir que o raciocínio maior ainda não foi disponibilizado em relação à pecuária, agricultura e floresta.
Cito o exemplo do estado do Tocantins. Existem 7,2 milhões de hectares de áreas e pastagens degradadas. Se por um passe de mágica ocorresse um aproveitamento - recuperação - dos 7,2 milhões de hectares, com o plantio de soja (Fixação Biológica de Nitrogênio) haveria uma produção média de 40 sacos/hectare x 7.2 milhões de has.=288.000.000 de sacas de soja ou 17.280.000 toneladas, sem a necessidade de desmatar um hectare sequer, além de implementar o plantio de florestas comerciais ou florestas recomposicionistas. Fala-se muito a respeito disto ou daquilo, mas não se fala da falta de crédito para recomposição de rebanhos, de melhoria genética, de investimentos para construções rurais destinadas à engorda de terminação de bovinos para o abate. Não se fala da profissionalização dos pecuaristas em patamares distintos especializados na produção de matrizes, de terneiros desmamados, de novilhos pré-confinamento ou engorda a campo, não se fala em consórcios para terminação e engorda; não se fala na associação de criadores distintos em alugar horas/frigorífico/abate, para abater e comercializarem suas produções; não se fala em associações em arrendarem frigoríficos com SIF para abaterem e processarem devidamente as carcaças, com os cortes nobres. Na realidade o estado brasileiro não está apto a estruturar um cluster pecuário bovino de corte. Hoje se formos comparar tecnologias, a presença da Medicina Veterinária, a sanidade, a genética, a nutrição embarcada na avicultura de corte e o seu rendimento espaço temporal x hectare de proteína nobre produzida, acredito que a pecuária bovina não está tão distante assim. Falta tão somente ajustar os rumos e as políticas produtivas que o resto se arruma por si só. O mercado da pecuária bovina de corte, independente de vontade política dos representantes nos Legislativos, mesmo porque eles são nossos funcionários, pois somos nós quem pagamos seus altíssimos salários. Médico Veterinário Romão Miranda Vidal.

Reginaldo Leandro
5 de diciembre de 2013
O Brasil sem dúvida é um dos países com maior potencial de produção de biomassa do mundo. Com medidas simples como: prevenção contra a erosão, manejo integrado de pragas, balanceamento nutricional adequado do solo e culturas, o Brasil logo se tornará a pilastra da agricultura mundial sem ter que apelar para um desmatamento desnecessário. Vale salientar que a maior riqueza de um país é seus recursos naturais, portanto é necessário fazer uso sim de tecnologias mas com sustentabilidade sempre.
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