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Qualidade de Perna da Granja a Planta

Publicado: 30 de junho de 2014
Por: Fabio G. Nunes - Consultor em Processamento Avícola, Brasil.
A avicultura industrial destaca-se mundialmente pela alta capacidade produtiva, pois ao contrário da suinocultura e bovinocultura, tem um ciclo de engorda muito curto. Ao longo destes poucos dias, um ambiente adequado e o melhor em tecnologia são colocados à disposição das aves, buscando produzir carcaças de máxima qualidade e rendimento em carne.
Quando atingem o peso programado, os frangos passam, do aviário ao abate, por uma seqüência de operações nas quais estão embutidos riscos à qualidade física da carcaça. Por ser a parte mais exigida, em função dos métodos usados atualmente durante o apanhe e pendura, as pernas estão mais suscetíveis à eles. Para preservar o resultado de 42 dias de trabalho, evitando perdas físicas e econômicas associadas aos danos às carcaças, estas duas operações devem ser revistas.
 
A Preparação
A operação de apanhe demanda a integração de um conjunto de etapas isoladas, porém inter-relacionadas, a ser executada com cuidados particulares para garantir a chegada ao frigorífico de aves em perfeitas condições de qualidade e na quantidade exigida pela demanda horária das linhas de sangria. A seqüência, que pode apresentar pequenas variações, é mais ou menos comum a todas as empresas: programa de transporte; programa de apanhe; jejum pré-abate; alocação da equipe de apanhe; enjaulamento e transporte ao frigorífico. Por razões didáticas, abordaremos com mais detalhes as que apresentam riscos à qualidade de pernas:
  • Programa de Transporte: Um programa eficaz deve ter  sido elaborado considerando as distâncias e os tipos de estrada até as propriedades, o tamanhos dos aviários, as capacidades dos caminhões e o tempo exigido para carregar cada um. Isto permitirá à empresa conhecer de antemão e em condições de normalidade a demanda global de tempo na viagem de ida, no carregamento e na viagem volta a cada aviário, possibilitando-a implementar um sistema simples e eficaz de monitoramento das viagens e do carregamento, evitando que o tempo programado seja excedido (o que poderá comprometer o  fluxo de abate) ou reduzido, indicando que o apanhe ou translado esta sendo acelerado, o que pode pressupor manuseio inadequado das aves e conseqüentes danos às carcaças. 
  • Programa de Apanhe: o produtor deve receber com antecedência o programa de retirada do lote para poder “preparar” o apanhe, realizando a partição do aviário (que por facilitar o apanhe   reduz danos às carcaças),  implementando o programa de jejum pré-abate e, principalmente, reunindo a equipe de apanhe adequada para garantir a manipulação correta das aves;     
  • Equipe de Apanhe: apesar dos protótipos de automação recentes, o apanhe ainda é largamente realizado de forma manual e, em conjunto com a  pendura, é importante causa de lesões externas e internas nas coxas e nas sobrecoxas dos frangos. Abaixo veremos por que isto ocorre.
 
O Apanhe
Os processadores  (brasileiros, pelo menos) não fornecem serviço de apanhe, repassando esta responsabilidade para os criadores que, com raras exceções, não dispõem de familiares suficientes para compor as equipes. Têm, então, de recorrer a mão de obra externa que, geralmente com pouco ou nenhum nível de conscientização com relação à repercussão de seu trabalho, sem ter recebido treinamento prévio e sem vínculo com o resultado qualitativo do lote, executa o trabalho como lhe parece mais conveniente o que é, na maioria das vezes, inconveniente para a qualidade das carcaças.
O método mais comum é o de capturar as aves pelo pé ou coxa, mantendo-as assim suspensas em número de quatro ou cinco (ou até mais) numa das mãos antes de colocá-las nas gaiolas ou contêineres. Nesta seqüência, a articulação da sobrecoxa com o quadril sofre, na captura, um movimento súbito e antinatural e, na suspensão, um posicionamento igualmente, cujos efeitos são agravados pela concentração do peso da ave naquele ponto. Esta sintomatologia, simples mas significativa, pode ser exacerbada com a ocorrência de deslocamento da articulação e da perda do revestimento da cabeça do fêmur em decorrência de um tratamento mais agressivo ás aves, uma condição não raro observada.
Ainda, manter suspensas 5 ou mais aves exige pressão da mão a qual, normalmente se dando sobre as coxas ou as juntas destas com os pés, também é causa de possíveis hematomas nesta região. Estas práticas, isoladamente ou em conjunto acabam traduzindo-se num importante conjunto de causas de hematomas e hemorragias de intensidades  variadas na coxa e na sobrecoxa. Vale mencionar que estes problemas, como apontam vários trabalhos científicos à respeito, também estão associados e/ou podem ser potencializados por questões ligadas à nutrição, como a presença de micotoxinas nas rações que fragilizando os vasos sangüíneos torna-os mais suscetíveis à ruptura.
É incontestável o impacto causado à qualidade e rendimento pelas hemorragias internas, deslocamentos de articulação e hematomas de coxas. Contudo, a extensão física e econômica das perdas é variável em função do mix de produção (parcela de frangos inteiros e cortes; com osso e desossados e etc.). Por serem diretamente afetados, os processadores precisam promover a substituição da informalidade no apanhe, introduzindo novas práticas a fim de sistematizá-lo. Uma alternativa tecnicamente interessante é o apanhe individual, onde as aves são capturadas pelas costas, uma à uma, colocando-se as mãos sobre as asas e levando-as aos contêineres ou gaiolas. Utilizando um número menor de pessoas do que parece exigir à primeira vista, esta alternativa trouxe resultados às empresas processadoras onde foram adotadas por mostrar-se economicamente viável quando confrontada com os ganhos de qualidade gerados. Recomenda-se que, primeiramente, as empresas dominem seus processos de apanhe e conheçam  os seus níveis  de qualidade e de perdas, produzindo um referencial. Na seqüência, que implantem, com base na sua realidade e disponibilidade, o método alternativo em escala piloto, gerando uma base de dados estaticamente representativa que permita avaliar os custos e benefícios decorrentes. Finalmente, que façam uma avaliação comparativa de cada um dos métodos e decidam com qual operar. É importante conduzir este trabalho em estreita parceria com os criadores, pela importância que possuem num contexto como este. Ao informá-los, primeiramente, das intenções da empresa e convidá-los a participar estará sendo dada a eles a oportunidade de avaliar os progressos obtidos e contribuir com seus pontos de vistas com relação ao processo, estimulando assim seu comprometimento com os resultados das mudanças em curso.

O Abatedouro
A pendura é o início do processamento, posicionando corretamente as aves nos ganchos para serem atordoadas e abatidas. O grau de exigência física sobre as aves varia em função da forma de apresentação aos penduradores, o que é determinado pelo tipo de transporte utilizado - gaiola ou contêineres. A seguir abordaremos os riscos inerentes a cada método:
  • Contêineres: os contêineres são movimentados para as plataformas onde  são tombados, descarregando as aves sobre uma esteira rolante que as conduz ao local de pendura. Lá se apresentam soltas, em pé e num pequeno grupo a uma altura, em geral, ergonomicamente adequada e próxima da linha, facilitando aos penduradores o acesso (às pernas) e a pendura nos ganchos. A combinação destas condições  racionaliza o ciclo de trabalho associado a cada frango, cuja extensão é fixa e determinada pela velocidade da linha, pois ao otimizar as operações-acessório aloca mais tempo à manipulação das aves, resultando numa coleta suave e de baixo impacto sobre as pernas.
 
Tabela 1: Comparativo de Movimentos na Pendura
Qualidade de Perna da Granja a Planta - Image 1

  • Gaiolas: as gaiolas são descarregadas individualmente e levadas ao ponto de pendura por uma esteira que, instalada à altura dos joelhos dos penduradores, exige que estes se curvem (e girem o tronco, dependendo do tipo de tampas das gaiolas) para alcançar as aves em seu interior. Esta operação, que deve ser naturalmente ágil torna-se, no caso das gaiolas equipadas com tampas pequenas, tanto mais difícil, demorada e brusca quanto mais próximas dos cantos estiverem os frangos. A apresentação das aves, em movimento e abaixadas em função da limitação de altura das gaiolas, dificulta alcançá-las, exigindo literalmente um “ataque” às pernas e a movimentação rápida e brusca para fora. Como se vê, ao se usar gaiolas o ciclo de trabalho (que é fixo, lembra?) é consumido por mais movimentos, além de impor maior desgaste físico aos penduradores. Esta combinação, bastante nociva, ao reduzir o tempo para manipulação dos frangos e acelerar a deterioração do desempenho operacional ao longo dos turnos, eleva significativamente o impacto sobre as pernas (Tabela 1).
Dissecando-se, quadro a quadro, a seqüência seguinte, surge um novo cenário de risco quando das mãos dos penduradores as aves são transferidas e posicionadas nos ganchos. Nesta etapa, seguras pelas pernas, são sustentadas pela pressão das mãos e, com predominância, dos dedos indicadores e polegares, cuja anatomia, combinada à das aves, acaba guiando-os para a face interna da coxa e próximo à junta com as patas. Por quase não apresentar massa muscular, os vasos sangüíneos que passam por esta área, protegidos apenas pela pele, ficam vulneráveis à pressão dos dedos, cujo efeito, clássico, aparece na forma de hematomas cuja  intensidade é proporcional à pressão exercida.
Nos ganchos, as patas são deslizadas para baixo até alcançar a base, posicionando os frangos para o atordoamento (e sangria, se esta for feita por meio de sangrador automático). Isto ocorre mediante mais pressão nos moldes já mencionados, podendo agravar a lesão especialmente em caso de incompatibilidade entre a abertura dos ganchos e o tamanho de frango.
Ajustado o frango, o pendurador deveria abrir e afastar as mãos dando seqüência ao processo. Contudo não é o que ocorre, sendo comum deslizar para baixo as mãos ainda fechadas sobre as coxas (e até mesmo segurar-se a ela enquanto busca outra ave). Dando-se em sentido contrário à sua disposição, o movimento arrepia as penas (chegando a arrancar algumas) e danifica os folículos, que se mostram, especialmente após o resfriamento, como pontos vermelhos na pele da coxa.
 
Implementando Melhorias  
Sendo o processamento de aves um exemplo muito bem acabado da relação cliente-fornecedor, onde as etapas interagem fortemente umas com as outras e nem sempre na seqüência em que ocorrem, a manutenção da qualidade das carcaças somente é possível mediante a execução consciente de cada operação. Neste contexto, os componentes mecânicos e os métodos operacionais são mais importantes em conjunto que individualmente, e para tanto devem ser ajustados e estar integrados, garantindo um trabalho harmônico que assegure o resultado desejado.  
Sinceramente, não existem grandes ganhos isolados possíveis na operação de pendura, à menos que muito precária. Existe sim, um conjunto de pequenos ajustes possíveis nas várias operações e equipamentos, resultando em maior conforto na execução das tarefas e revertendo alguns segundos do ciclo de trabalho ao manuseio das aves, contribuindo para a preservação da qualidade.
Na tarefa de rever a operação de pendura, as áreas de engenharia ou cronoanálise podem dar uma contribuição importante e por isto devem ser chamadas a participar, pois com suas ferramentas matemáticas para a análise detalhada dos movimentos e do trabalho geram um conjunto de informações numéricas que facilita a visualização das melhorias potenciais, geralmente escondidas, aumentando a segurança das decisões.
Como dos sistemas o de gaiolas parece ser o mais crítico, algumas sugestões para melhorar a sua operação seguem. A primeira refere-se ao tipo de portas que equipa as gaiolas. De maneira ideal, devem ser de abertura fácil e rápida, expondo o interior ao máximo  pois,  evitando o acúmulo das aves  em cantos mais remotos e  permitindo que fiquem mais distribuídas e de pé, facilitam a manipulação dos frangos, reduzindo o impacto sobre as pernas. Sugere-se uma avaliação daquelas em uso para estabelecimento de um referencial e, posteriormente, de outros modelos disponíveis no mercado. Se a empresa julgar adequado, deve ser considerada a substituição programada e gradativa das gaiolas atuais pela que se mostrou mais funcional ao trabalho.
Coadjuvante do processo, a esteira de transporte deve também ser reavaliada. Como ajuda, estabeleça um roteiro de perguntas, cujas respostas indicarão as ações a executar:
  • A altura relativa aos penduradores pode ser melhorada para reduzir o desgaste físico e o tempo para acessar os frangos ?
  • O tamanho da equipe está de acordo com a velocidade de abate ?
  • É possível aplicar o “job-rotation” para reduzir o cansaço ?
  • A velocidade de deslocamento está balanceada com a da linha de sangria e vice-versa ?
  • Há um sistema de fácil acesso que permita parar e acionar a esteira quando preciso ?       
Por último, mas não menos importante, há a nória. Nela há alguns  pontos que, por se relacionarem com o contexto discutido, merecem atenção permanente da equipe de manutenção:
  • Ganchos faltantes: ganchos faltantes exigem maior velocidade de linha para compensar os intervalos, impondo um ritmo mais desgastante e um manuseio menos cuidadoso das aves por diminuir a disponibilidade de tempo por ave;
  • Bitola dos ganchos: a abertura dos ganchos deve ser compatível com o tamanho do frango. Quando mal regulados - muito apertados - exigem maior esforço físico dos penduradores e maior pressão sobre as coxas para fazer as patas acomodarem-se corretamente;
  • Uso de guias-apoio: a nória, ao longo da zona de pendura, deve contar com um guia-apoio aos ganchos, instalado do lado oposto ao que se acham os penduradores. Este acessório simples, é muito útil no ato da pendura pois, ao mesmo tempo em que evita o balanço dos ganchos, posiciona-os aos penduradores  agilizando o encaixe das patas;
  • Distância e altura: a nória e os penduradores devem formar um conjunto harmônico. A altura e distância horizontal de instalação deve ser compatível com a estatura e comprimento de braços dos mesmos. Se assim não for, se instalará uma postura anti-natural devido à freqüente extensão excessiva dos braços e à  transferência permanente do peso do tronco para a região lombar, impondo um acelerado desgaste físico, levando a uma rápida deterioração operacional da equipe.
Complementando o esforço no atingimento dos objetivos, há a contra-partida dos métodos  operacionais que, igualmente, reúne pontos a observar e ajustar. A primeira ação consiste em introduzir a “pinça” feita pelos dedos indicadores e médios para segurar as coxas, em substituição a dos indicadores e polegares. Com isto, elimina-se a pressão na face interna das coxas, que passa a ser aplicada nas partes anterior e posterior com menor risco de lesão, pela presença de maior massa muscular e, sobretudo, pela menor força de conjunto que estes dois dedos tem em relação aos outros. É uma mudança que exigirá acompanhamento para ser implementada pois, anatômica e operacionalmente, é menos confortável que a anterior, e por isto deve ser trabalhada em conjunto com a equipe para que, conscientes dos benefícios da mudança, possam atuar de maneira proativa.  
Com o fim de atenuar o desgaste físico e o cansaço, a empresa deve considerar os benefícios de uma ferramenta simples e eficaz - o job-rotation. Para que produza os resultados desejados, esta iniciativa deve ser tocada a seis mãos - as áreas operacional, de medicina do trabalho e engenharia, que devem colocar as soluções para as questões operacionais, ergonômicas e anatômicas juntas  num programa de rotação de funções a ser implantado na seção. Como já mencionado anteriormente, é importante que inicie com um referencial confiável do “antes”, a fim de que sua eficácia possa ser avaliada ao se comparar os dados obtidos no “depois”.
Certamente, não se pretende com esta breve abordagem esgotar o assunto ou as alternativas em prol desta área tão importante para a qualidade do processo. Este material, muito mais do que transferir conhecimento, tem como intenção despertar nas indústrias a percepção de que o processamento de aves é, cada vez mais, um trabalho técnico e como tal tem de ser tratado, em prol da eficácia da atividade e da sua empresa.fn

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