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Tifo aviário

Tifo aviário em alerta vermelho

Publicado: 7 de julho de 2010
Por: Edir Nepomuceno Silva (Presidente da Facta - Fundação Apinco de Ciência e Tecnologia Avícolas)
Os olhos do antigo veterinário, experimentado e treinado em centenas de necropsias de aves, não poderiam estar enganados naquela tarde quando assistia a um dos seus clientes; integração de frangos, bem organizada e com excelente controle de biosseguridade. O quadro clínico, os sintomas, e, agora, as lesões, particularmente as dos fígados... Tudo lembrava uma doença há muito erradicada da moderna industria avícola. Mas, sua segurança e experiência eram suficientes para afirmar: É Tifo Aviário.
Esta história já seria grave se ficasse somente neste caso. Acontece que - embora guardado em forma de segredo sepulcral em função das graves conseqüências comerciais, econômicas e de imagem da empresa -, outros relatos recentes começaram a aparecer, tanto no Brasil como em outros países da America Latina. Estas informações ocultas e silenciosas escondem uma grave situação que se pretende levantar neste texto.
Um pouco sobre o Tifo Aviário
Tifo aviário é uma das poucas salmoneloses causadas por um sorovar extremamente adaptado ao hospedeiro: Salmonella Gallinarum. Somente as aves adoecem. A boa notícia nesta salmonelose - se é que se pode dizer "boa" para doença -, é que ela não constitui problema de saúde publica, pois não infecta o homem. Os sintomas nada têm de específicos. Sonolência, apatia, possíveis fezes brancas aderidas a penas da cloaca, posição postural de pingüim em algumas aves adultas em produção. Estas mostram mais os sinais clínicos que as aves jovens. Mortalidade muito variável, mas constante. Pode ser observada em frangos a partir de 30 dias de idade, mas, é mais comum em reprodutoras e poedeiras adultas.
O que chama a atenção, mesmo, no Tifo são as lesões, particularmente as do fígado (Fig. 1). Quase sempre aumentado de volume e com uma coloração mais escura, quase negra em alguns casos. Pontos branco-amarelados podem ser observados na sua superfície e se aprofundam no parênquima do órgão. Estas lesões se reproduzem no baço. O ovário pode apresentar alterações com a presença de gemas murchas, liquefeitas, hemorrágicas, desfeitas. Nódulos cardíacos e no peritônio podem ser esporadicamente observados.
A infecção por S. Gallinarum é, sempre, sistêmica. Sua presença intestinal é transitória - ao contrário das infecções paratifoides das aves -, resultante da eliminação da mesma na luz intestinal via bile. Portanto, há pouca excreção fecal da bactéria, e sua sobrevivência na cama ou meio ambiente é por curto período de tempo. Assim, sua transmissão é, essencialmente, via ovos ou transovariana. Mesmo assim, apenas alguns poucos ovos de lotes infectados albergam esta salmonela. A razão é que as galinhas infectadas deixam de botar ovos, rapidamente, pelas lesões ovarianas provocadas pela bactéria.
Teste de Pulorose.
Aves infectadas desenvolvem elevados títulos de anticorpos que são facilmente detectados na prova de soroaglutinação rápida (SAR) frente ao antígeno produzido com a bactéria íntegra inativada. Esta foi a base racional para o desenvolvimento do "Teste de Pulorose". Este teste consiste na realização do teste de SAR realizado sobre uma placa usando uma gota de sangue total e outra do antígeno colorido inativado produzido com cepa de S. Pullorum (tem a mesma composição antigênica somática da S. Gallinarum). Este teste era realizado na própria granja em 100% das aves dos nos lotes de reprodutoras antes do inicio do aproveitamento de ovos para incubação. As aves reagentes eram eliminadas do lote até completa negatividade comprovada por exames bacteriológicos. Usando deste procedimento, a avicultura livrou-se do Tifo há décadas.
Vacinação para S. Enteritidis e o Tifo Aviário
Nos últimos anos com a situação provocada pela S. Enteritidis (SE) na avicultura mundial, várias vacinas foram desenvolvidas e licenciadas para uso em poedeiras e reprodutoras em todo o mundo. A maioria delas fabricada com cepas íntegras lisas, e para aplicação injetável. Acontece que - embora móvel como todas as demais salmonelas -, SE tem a composição antigênica somática idêntica a de S. Gallinarum. Assim, com o uso da vacina de SE, o teste de pulorose teve que ser abolido pelas reações cruzadas causadas pela vacinação. Como o Tifo estava erradicado e as infecções por SE graves e emergentes, priorizou-se o controle deste último. Na verdade, o teste de pulorose já vinha sendo paulatinamente reduzido e abolido nos planteis reprodutores. E, para piorar, praticamente todos os exames de monitoria para salmonelas oficialmente aprovados falham na detecção de S. Gallinarum. Desta maneira, o cenário para o retorno do Tifo estava perfeito.
Falhas no diagnóstico do Tifo Aviário
Abstendo-se dos sintomas clínicos e lesões - somente visíveis em quadros graves e agudos -, o diagnóstico do Tifo requer, obrigatoriamente, o uso de técnicas laboratoriais. As amostragens de fezes, ambiente e cama são de pouca valia na detecção de S. Gallinarum pelas razoes anteriormente mencionadas.
Como os testes sorológicos presuntivos ficam prejudicados nos lotes vacinados, o isolamento e identificação passam a ser ferramenta de fundamental importância. Entretanto, ela apresenta algumas particularidades singulares. Para a tentativa de isolamento de S. Gallinarum é preciso partir de órgãos de aves suspeitas. Se o material for mal coletado ou apresentar outros contaminantes bacterianos competidores, o isolamento fica comprometido. Facilmente, nestes casos, tem-se o diagnóstico da presença de Escherichia coli ou Proteus sp sem o isolamento do agente primário causal. E, fica por aí. Adiciona-se aqui o fato das colônias de S. Gallinarum, em placas de Agar, crescer mais lentamente e ser bem menores que as das outras salmonelas. Alem disto, suas reações bioquímicas nos meios de triagem (pouca produção de H2S e outros gases) confundem a mente pouco experiente dos bacteriologistas. Como nos casos iniciais de Tifo os achados clínicos são, na maioria das vezes insignificantes, o problema passa despercebido.
De onde (re) surgem os casos de Tifo Aviário?
A grande e importante preocupação gerada pelos problemas de saúde pública devido às salmonelas em produtos avícolas, tanto para o consumo interno e, principalmente, pela exigência dos importadores, drenou todas as atenções para o controle das infecções paratifoides das aves. Assim, técnicas sofisticadas de biosseguridade foram desenvolvidas e aplicadas nas granjas avícolas. Mas, é bom lembrar que, a adoção destas modernas técnicas, por si só, não asseguram o controle para o Tifo Aviário.
A (re) emergência dos casos de Tifo Aviário tem se apresentado sob duas situações principais: Quadros esporádicos em frangos, na maioria acima de 30 dias de idade, mostrando mortalidade constante e crescente, mas nunca com índices muito elevados. Lesões nos órgão abdominais, incluindo fígado, baço e coração levam a suspeita inicial de Colibacilose; muitas vezes erroneamente confirmada nos exames laboratoriais. Resultados parcialmente positivos da aplicação de antibioticoterapia acabam reforçando a falsa suspeita clínica. A repetição aleatória do quadro, em diferentes lotes de frangos, acaba despertando para outro problema que não o diagnostico inicial. A rastreabilidade da situação acaba levando a origem para as matrizes, onde a suspeita de Tifo fica mais evidente.
Em outra situação, a suspeita começa nos lotes de matrizes em produção, com as mesmas observações descritas para os lotes de frangos e o mesmo encaminhamento. Nas matrizes as lesões hepáticas são mais evidentes, podendo ou não haver as clássicas lesões nos ovários. É rara a observação de aves doentes na inspeção do lote, embora a mortalidade - aparentemente ocorrendo no período noturno -, seja crescente.
Os quadros em frangos e matrizes, quase sempre, ocorrem simultaneamente, embora possam passar desconectados por algum tempo. Os casos em frangos, sempre, envolvem as matrizes como origem.
Devido as particularidade de baixa transmissibilidade - mesmo a transovariana - a doença, contudo presente, pode passar despercebida por meses em uma integração de frangos.
Rastrear a origem do Tifo em matrizes é uma tarefa extremamente complicada e difícil. A principal origem é a horizontal, da reprodutora para a sua progênie. Como a infecção é raramente revelada em aves jovens; quando ela é diagnosticada na vida adulta, fica difícil culpar o fornecedor dos lotes pelo problema. As questões internas dos produtores de material genético, para esta questão, são tratadas sob estrito segredo a sete-chaves. Sobra assim, o relacionamento ético comercial para o encaminhamento da questão, quando o mesmo não é desmascarado pela ocorrência simultânea em vários lotes e clientes.
Outras fontes de infecção a considerar são as criações de aves caipiras, de fundo de quintal, ou mesmo, pequenas criações não industriais, e aves ornamentais. Estas aves podem funcionar como portadoras sãs. A considerar que a excreção fecal de S. Gallinarum tem taxa baixa, e que o agente vive pouco tempo no meio ambiente, é necessário que lotes industriais tenham íntimo contato com estas criações, seja através do contato direto ave-a-ave, ou através das suas fezes contaminando material de cama ou outro que adentre a um galpão sem a necessária desinfecção prévia.
Como lidar com os (re) emergentes casos de Tifo Aviário
Uma vez diagnostica a doença através do perfeito isolamento e identificação do agente, a conduta clássica é a eliminação sumária dos lotes sabidamente confirmados como infectados, e dos seus ovos. Muitas das vezes a empresa, em função da dimensão do problema diagnosticado e das conseqüências pelas perdas nesta prática, tem dificuldade em adotar este procedimento.
É comum que, nos casos de Tifo, apenas um ou alguns galpões apresentem a infecção. E, mesmo assim, em apenas alguns boxes, não contaminando os demais, o que não é muito raro.
Como nos tempos atuais o uso de vacina inativada de SE tem sido uma prática comum em matrizes, e que esta vacinação interfere com o teste de pulorose, a ferramenta diagnóstica passa ser a bacteriológica. Nestes casos recomendamos a coleta asséptica e individual de amostras de fígado. Fazer a colheita de aves recém mortas ou moribundas sacrificadas, tendo a precaução de imergi-las em solução desinfetante antes da abertura de orifício na cavidade abdominal suficiente para a visibilidade da superfície do fígado. Os suabes devem ser plaqueados diretamente sobre placas de Agar de baixa impediência para salmonelas e colocados em forma de "pool" em caldo de pré-enriquecimento não seletivo por não mais que 12 horas, para os procedimentos posteriores de isolamento.
Caso os lotes não tenham recebido vacinação para SE, adota-se a conduta clássica que é a realização do teste de pulorose em 100% das aves, eliminando-se as reagentes. Uma amostragem destas deve ser examinada para confirmação diagnóstica. O teste de pulorose deve ser repetido a intervalos de três a quatro semanas para se considerar o lote negativo e passar ao aproveitamento dos ovos para incubação. Uma empresa com surto de Tifo deve abolir, temporariamente, o uso da vacina inativada de SE.
A medicação com antibióticos, notadamente as fluorquinolonas, tem bom efeito na redução da mortalidade. Entretanto, ela precisa ser repetida a intervalo de tempo. Mas, nenhum tratamento é capaz de erradicar a infecção. Em casos extremos, pode ser tentada a vacinação. Neste caso, uma antiga vacina viva denominada de S. Gallinarum 9R ainda é o melhor produto. Ela precisa ser injetada antes que os lotes venham adquirir a infecção. Pelo menos duas doses são necessárias, e, algumas vezes, repetições a cada doze semanas.
Qualquer que seja a situação, a meta será, sempre, a erradicação. O retorno da ocorrência de doenças como o Tifo Aviário pode significar negligência e falhas nos processos básicos de diagnóstico e prevenção das graves doenças avícolas.
Tifo aviário em alerta vermelho - Image 1Tifo aviário em alerta vermelho - Image 2
Figura 1. Fígados de matrizes pesadas em produção infectadas pelo Tifo Aviário mostrando aumento de volume, alteração na colocação, lesões na sua superfície (cortesia de Patrício, I. 2009).
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Autores:
Edir Nepomuceno Silva
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
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Blu Jp
3 de julio de 2021
Esse estudo contribui muito, passando imenso conhecimento pra os criadores de aves!!!!!!!!!!!
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Luiz Kazunori Matuguma
4 de febrero de 2020
Edir, parabéns pela forma didática e concisa do problema, passa exatamente o quadro que enfrentamos atualmente. nós que há algumas décadas enfrentamos o problema, controlamos e vimos ressurgir com a mesma ou maior intensidade, ficamos preocupados. o problema também atinge com muita gravidade, aves de postura, notadamente as vermelhas.
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Sabriina Moissa Martins
23 de febrero de 2016
Gostaria de saber despois de quantos dia de vacinar posso colocar para o abate ?
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Ákila Figueredo Alves
22 de abril de 2013

Sr. Edir, estou iniciando uma criação de galinhas caipiras e vacinei contra tiffo e coriza por precaução, isso resolve? Estou perguntando porque na minha região não encontrei nenhum médico veterinário que pudesse me orientar, estou vacinando baseado em estudos, em livros e artigos da Embrapa. Assim sendo, tenho sempre dúvidas. Grata.

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Ari Bueno Ribeiro
20 de abril de 2013

Fala Edir sobre seu comentário de fazer a cada 12 semanas hoje é a melhor alternativa mas de 10 em 10, porque sabendo que a possibilidade é quase 100% em matriz nem se fala mas em poedeira esperar aparecer na produção, medicar e vacinar é bem pior . Porque mesmo fazendo até 4 vacinações na recria vai aparecer na produção. Então tenho feito apartir da última na recria de 10 em 10 semanas ou Se viva na água ou 9r injet. DEPOIS DE 3 ANOS LEVANDO UM BAILE COM ESTE ESQUEMA JÁ RESOLVI 80% Att Ari Bueno Ribeiro FOI UMA MARAVILHA SABER NOTICIAS SUAS! AQUELE ABRAÇO

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alan kardek rodrigues dos passos
alan kardek rodrigues dos passos
9 de julio de 2010

Está de Parabéns o autor da pesquisa...

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